Neste capítulo, depois de se livrar de policiais, Joel conhece Zelão, um homem que vai
levá-lo a conhecer um lado da vida que ele nem fazia ideia que existia.
SÓ A VIDA ENSINA
Capítulo 10
CENA 1 - EXTERNA/DIA - PORTA DO RESTAURANTE
CONTINUAÇÃO IMEDIATA DA CENA 10 DO CAPÍTULO 9.
JOEL ESTÁ DIANTE DO RAPAZ QUE CARREGA UMA SACOLA COM UMA QUENTINHA.
MOÇO – O que foi que você disse?
JOEL – Me dá essa quentinha, moço. Eu estou com muita fome.
MOÇO – (PARA OS AMIGOS QUE O ACOMPANHAM) Vejam só. O mendigo quer a minha quentinha pra ele, gente.
JOEL – (OFENIDO) Eu não sou mendigo, moço. Sou apenas um desempregado.
MOÇO – Sai da minha frente, mendigo sujo. Se quer comer, vai trabalhar. Vê se eu tenho cara de quem sustenta vagabundo?
O MOÇO VIRA AS COSTAS E VAI SAINDO COM OS AMIGOS. JOEL SE ADIANTA E TENTA LHE TIRAR A SACOLA COM A QUENTINHA. UMA CONFUSÃO É FORMADA. A QUENTINHA CAI NO CHÃO. JOEL TENTA PEGAR A QUENTINHA NO CHÃO E A COMIDA SE PERDE.
MOÇO – (AGREDINDO JOEL ) Veja o que você fez, imbecil.
NO MEIO DO TUMULTO, DOIS POLCIAIS APARECEM.
POLICIAÇ – Que baderna é essa?
MOÇO – Esse mendigo tentou roubar a minha comida.
POLICIAL – (PARA JOEL) O senhor está preso.
JOEL – Eu não fiz nada. Apenas pedi para ele um pouco de comida.
OS POLICIAIS LEVAM JOEL, APESAR DE SUA RESISTÊNCIA. A CONFUSÃO É DESFEITA. PRÓXIMO DALI UM HOMEM MAL ENCARADO ASSISTE A TUDO COM INDISFARÇÁVEL INTERESSE. É ZELÃO, MORADOR DE RUA.
CORTA PARA:
CENA 2 - EXTERNA/DIA - RUA UM TANTO DESERTA DO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
CARRO DA POLÍCIA ESTACIONA E POLICIAL DESCE.
POLICIAL – (PARA ALGUÉM NO INTERIOR DO CARRO) – Vamos, desce.
JOEL – (DESCENDO DO CARRO) Já falei que não fiz nada, moço.
POLICIAL – Tô vendo mesmo essa sua cara de santinho. (TEMPO) Escuta aqui, malandro. Trata de desaparecer dessa área, tá ouvindo? Dessa vez, a gente vai livrar a tua cara. Mas da próxima a conversa vai ser bem outra. (GRITA) Entendeu?
JOEL – Tudo bem, moço. Só queria um pouco de comida. Não como faz três dias.
POLICIAL – Isso não é problema meu. A gente cuida da ordem. Barriga vazia é outro departamento. (EM TOM AMEAÇADOR) Agora se manda daqui antes que eu mude de ideia. (GRITA) Sai fora.
JOEL COMEÇA A ANDAR MEIO INDECISO E FRACO. POLICIAL ENTRA NO CARRO, QUE PARTE. NOVAMENTE O HOMEM MAL ENCARADO (ZELÃO) OBSERVAVA TUDO.
CORTA PARA:
CENA 3 - EXTERNA/DIA - UM BECO DE RUA
JOEL ESTÁ SENTADO. O HOMEM MAL ENCARADO APARECE, AVISTA JOEL E SE APROXIMA.
ZELÃO – (PUXANDO CONVERSA) A vida tá difícil, né?
JOEL – Se tá.
ZELÃO – E com a barriga vazia, fica mais difícil ainda.
JOEL – Eu que o diga. Tô há três dias sem botar nada que preste na boca.
ZELÃO – Eu sei o que é isso. Também já fiquei assim.
JOEL – Sem comer?
ZELÃO – Mais de uma semana. (TEMPO) Vi o que fizeram com você. Covardia. Não custava nada o cara ter te dado aquela quentinha. Cara bem empregado, podia comprar quantas quentinhas quisesse. O mundo é cheio de injustiça.
JOEL – Se é.
ZELÃO – Meu nome é Zelão. E o seu?
JOEL – Joel.
ZELÃO – Prazer, Joel. (TEMPO) Se tiver a fim, posso te levar num lugar onde você pode comer alguma coisa.
JOEL – (INTERESSADO) Onde é isso?
ZELÃO – Vem comigo.
JOEL LEVANTA E ACOMPANHA ZELÃO.
CORTA PARA:
CENA 4 - EXTERNA/DIA - TERRENO BALDIO PRÓXIMO A PRÉDIOS DO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
HÁ DE TUDO NO LOCAL. BASTANTE ENTULHO, CARCAÇA DE CARROS, MUITO MATO, BARRACOS DE PAPELÃO E MADEIRA, MÓVEIS VELHOS ESPALHADOS PELO TERRENO, SOBRETUDO, SOFÁS VELHOS E SUJOS.
É UM LOCAL HABITADO POR MORADORES DE RUA. HÁ MUITOS DELES POR ALÍ. ALGUNS ESTÃO COZINHANDO EM FOGÕES IMPROVISADOS.
JOEL CHEGA TRAZIDO POR ZELÃO.
ZELÃO – É aqui. Lugar sem luxo. Mas aqui ninguém nega um prato de comida prum irmão de infortúnio.
JOEL – Não sabia que existia lugares assim no meio da cidade.
ZELÃO – Pois a gente existe. Pra eles, nós somos o lixo da sociedade. (TEMPO) Agora, vamos deixar de conversa. Quero te apresentar para o pessoal.
CORTA PARA:
CENA 5 - EXTERNA/DIA - TERRENO BALDIO
NO TERRENO TODOS PARTICIPAM DE UM “ALMOÇO”. JOEL ESTÁ COMENDO ENTRE ELES, TENDO ZELÃO AO SEU LADO.
ZELÃO – E então, Joel? Tá dando pra enganar a fome?
JOEL – Não sei nem como te agradecer, Zelão. Se não fosse isso, acho que ia morrer de fome.
ZELÃO – Que é isso? De fome não se morre. (TEMPO) Não enquanto eu tiver na área.
JOEL – Você faz parte de alguma religião?
ZELÃO – Que nada. (TEMPO) Apenas acredito que “é dando que se recebe”. Sabe aquela história do santo...
JOEL – Não entendo muito de santo não. Mas acho isso bom.
ZELÃO – (RINDO) “È dando que se recebe”.
ZELÃO SE AFASTA E JOEL CONTINUA COMENDO.
CORTA PARA:
CENA 6 - EXTERNA/DIA - TERRENO BALDIO
OS HABITANTES DO TERRENO ESTÃO EM FESTA. ALGUNS TOCAM INSTRUMENTOS IMPROVISADOS, OUTROS CANTAM E DANÇAM. JOEL ESTÁ ENTRE ELES. JÁ ESTÁ TOTALMENTE INTEGRADO.
ZELÃO – E aí? Tá se divertindo?
JOEL – Muito. Isso aqui é muito bom. Acho que encontrei o lugar que eu procurava na vida.
ZELÃO – Como assim?
JOEL – È aqui que eu quero viver pra sempre.
ZELÃO – Não disse pra você? Aqui ninguém nega nada pra ninguém. Todo mundo aqui é irmão.
ZELÃO SAI E VOLTA COM MAIS BEBIDA E SERVE JOEL, QUE FICA CADA VEZ MAIS BÊBADO E ANIMADO. ZELÃO SE AFASTA E FICA OBSERVANDO A ANIMAÇÃO DE JOEL.
CORTA PARA:
CENA 7 - EXTERNA/DIA - TERRENO BALDIO
JOEL ESTÁ DORMINDO NO CHÃO. ZELÃO ESTÁ CONVERSANDO COM UMA MOÇA.
ZELÃO – E o nosso novo amigo?
SUZI – Tá dormindo feito um rei.
ZELÃO – Acho que já está na hora de chamar o cara às falas.
SUZI – O que você vai fazer?
ZELÃO – Eu não vou fazer nada. Quem vai fazer é você.
ZELÃO COCHICHA ALGUMA COISA NO OUVIDO DE SUZI E SAI. SUZI SE APROXIMA DE JOELE TENTA ACORDÁ-LO.
SUZI – Ei! Tá na hora de acordar.
JOEL – (DESPERTANDO) Hora de acordar? Isso aqui não é o paraíso?
SUZI – Quem te disse isso? (TOM) Aqui quem não trabalha, não come. (TEMPO) Dá uma olhada pra ver uma coisa. Tá todo mundo na batalha, meu. Levanta e trata de se virar.
JOEL LEVANTA E VÊ QUE O TERRENO ESTÁ VAZIO DE PESSOAS. SÓ ELE E SUZI ESTÃO LÁ.
CORTA PARA:
CENA 8 - EXTERNA/DIA - TERRENO BALDIO
SUZI PEGA UM SACO PRETO E ENTREGA A JOEL.
JOEL – O que eu faço com isso?
SUZI – Pega e,,, (TEMPO) Não vai me dizer que você nunca garimpou na vida?
JOEL – Garimpeiro de ouro?
SUZI – Não deixa de ser...(TEMPO) Agora pega isso e vai. E quer um conselho?
JOEL – Todos. Sabe como é: é que eu sou novo nisso de viver assim na natureza como vocês. Eu sou trabalhador, entende? Apenas estou desempregado. Eu sempre vivi como gente.
SUZI – Já deu pra sacar. (TOM) Cuidado! O Zelão está de olho em você.
JOEL NÃO ENTENDE O CONSELHO.
CORTA PARA:
CENA 9 - EXTERNA/DIA - TERRENO BALDIO
MOVIMENTO NO TERRENO ESTÁ GRANDE, A MAIORIA DOS MORADORES DE RUA TRAZ O QUE GARIMPOU. PERCEBE-SE QUE JOEL NÃO CONSEGUIU NADA.
SUZI – Parece que seu protegido não conseguiu arranjar nada. Também, pelo que ele me disse...
ZELÃO – (NERVOSO) O que foi que ele disse?
SUZI – O moço é cheio de não me toques. Diz que não está acostumado a viver assim, que sempre viveu feito gente.
ZELÃO – Ah! Filho da mãe.
CORTA PARA:
CENA 10 - EXTERNA/DIA - TERRENO BALDIO
JOEL ESTÁ CONVERSANDO COM ALGUNS MORADORES DO TERRENO. ZELÃO CHEGA E O ARRASTA PARA O LADO.
ZELÃO – (PUXANDO JOEL) Acho que a gente precisa ter uma conversinha.
CORTA PARA:
FIM DO CAPÍTULO