FELIZES PARA
SEMPRE,
ESTA NOITE!
Peça Teatral
(comédia)
Julio Fernando
Moreira
1994
CENÁRIO ÚNICO.
BARRACO DE MORRO. MISTO DE SALA E COZINHA. SOFÁ VELHO, ARMÁRIO, FOGÃO,
MESA COM CADEIRAS, TELEVISÃO PRETA E BRANCA VELHA, QUADROS NA PAREDE E OUTROS
UTENSÍLIOS PRÓPRIOS DE CASA, COMO PANELAS, PRATOS, COPOS E ETC. TUDO MUITO
SIMPLES E COM CERTO MAU GOSTO.
Ano da ação: final dos anos 1970
CENA I
CENÁRIO ILUMINADO. HÁ MUITOS BALÕES COLORIDOS ESPALHADOS E UMA FAIXA
ONDE SE LÊ: “FELIZ ANIVERSÁRIO, MARTA! EU TE AMO!” OS ENFEITES LEMBRAM UMA
FESTA INFANTIL. MARTA APARECE, VINDO DE DENTRO. É UMA MULHER DE APROXIMADAMENTE
QUARENTA E CINCO ANOS DE IDADE, EMBORA APARENTE UM POUCO MAIS. VESTE-SE COM
SIMPLICIDADE.
MARTA - Meu
Deus! Isso nunca me aconteceu antes. (CAMINHA ATÉ O MÓVEL E CONSULTA O RELÓGIO)
Onde já se viu? Marta Gouveia acordar com o sol queimando-lhe a cara? Logo hoje
que vai passar o último capítulo da minha novela preferida. (DESANIMADA) Tenho
tanta coisa para fazer. Tem o bolo do aniversário de quinze anos da Ana
Cristina, o bolo do casamento da Antônia... Antônia! Quem diria!? Conseguiu
laçar o Alceu. Danadinha! Bem, mas isso não é da minha conta. (COMEÇA A SE
MOVIMENTAR PELA CASA) Tenho que dar duro para acabar tudo antes do horário da
novela. Às oito e trinta em ponto quero estar sentadinha de frente para a
televisão, com tudo pronto para não perder um único lance. Nada vai me impedir
de assistir ao último capítulo. Nada! (SUSPIRA) Vai ser tão emocionante!
(PENSATIVA) Será que o Mário Santana fica com a bela Gina Germano ou com a
sofrida Dolores Fátima? Dolores Fátima! Que nome horroroso! Esse autor inventa
cada nome. (PARA A PLATEIA) Será que o Mário fica com uma ou com a outra? Sabe
qual é a minha opinião? Por mim ele não ficava com nenhuma das duas. Nem com a
atriz famosa, nem com a enfermeira sofredora. Por mim, ele viajava, ou melhor,
voltava para Nova York, de onde ele veio no início da história. Seria bem mais
justo. Assim nenhuma ficaria em desvantagem. É verdade. Por um lado está Gina
Germano, mulher bonita, venceu na vida. Ela é uma atriz famosa, faz
teatro, televisão e cinema com muito talento. É apaixonada por Mário Santana,
mas quando ele precisou fugir do país, por motivos políticos, ela não hesitou
em casar-se com um ator de renome, uma vez que era uma atrizinha em início de
carreira e precisava de uma “mãozinha da sorte”. Do outro lado está
Dolares Fátima, enfermeira competente e dedicada, esposa apaixonada que sempre
apoiou o marido em suas lutas políticas. Desde que ele foi embora, ela nunca se
interessou por nenhum outro homem, estando sempre à sua espera. Dolores Fátima
é daquelas mulheres que acreditam no amor e que casamento não se desfaz. “O que
Deus uniu...” O que vocês acham? Também não sabem, não é? (MOVIMENTA-SE
PELA CASA PEGANDO COISAS DE UM LADO PARA O OUTRO) É bem verdade que o Mário
Santana sempre preferiu a Gina Germano, mas cá prá nós, eu preferia que ele
ficasse com a Dolores Fátima. Coitada! Ninguém amou mais do que ela. Sempre
ali, disposta a perdoar, a dar uma nova chance ao homem amado. Sem dizer que
ela criou a filha... (PAUSA) Não sabiam que a Rita Solange não é filha da
Dolores Fátima? Pois é. A Rita Solange... Outro nome que não me passa pela
garganta. A Rita Solange é filha da Gina e do Mário. Vocês não se lembram do
início da história quando o Mário fugiu deixando a Gina, que na época se
chamava Maria das Graças, grávida? Quando nasceu, uma linda garota, ela
entregou para Dolores Fátima criar. Sei que não tem muita lógica, mas foi assim
mesmo que tudo aconteceu. Coisas de novela! (PARA DE FALAR E OLHA À SUA VOLTA.
VÊ A FAIXA E OS ENFEITES) Que é isso? Será que eu acordei no cenário errado?
(OLHA EM VOLTA) Não. É aqui mesmo. (LÊ A FAIXA) “Feliz aniversário, Marta! Eu
te amo!” (FELIZ) Minha nossa senhora da Felicidade! Parece coisa de
novela. (TENTA CONTROLAR A EUFORIA) Quem fez isso? A Maria não foi. E o Alfredo?
Não, o Alfredo, não. Ele vive sem dinheiro. Quando precisa gastar algum a mais
diz que está duro, que não tem nem para o cafezinho. (LÊ) “Feliz aniversário,
Marta!” Feliz aniversário... Não posso acreditar! Não pode ser! É o meu
aniversário. É claro! Como pude esquecer? Balões... Me faz lembrar quando eu
era criança. Sempre sonhei com uma festa bem colorida. Todo ano esperava e como
não acontecia eu deixava para o ano seguinte. Foi assim até que eu cresci.
Cresci!? Aí eu transferi o sonho para os colegas. Contei para todo mundo a data
do meu aniversário para ver se alguém se tocava e me organizava uma festa
surpresa. Foi em vão. Ninguém nunca se lembrou de mim todos esses anos.
(INDAGA-SE) Mas por que estou falando disso agora? Quase nunca falo de mim, dos
meus sonhos, da minha vida... (VÊ UM EMBRULHO SOBRE A MESA) O que é isso? Será
um presente? (PEGA O EMBRULHO E ABRE) Uma camisola! Mas deste tamaninho?
(COLOCA A PEÇA SOBRE O CORPO E DESFILA SEDUTORA. PUXA UMA CADEIRA E SENTA
EXAMINANDO A PEÇA MINUCIOSAMENTE) Quanto tempo passou! Hoje sou uma velha sem
graça e feia. Minhas pernas... (EXAMINA AS PERNAS) Tudo se foi com o tempo.
Quarenta e cinco anos! Onde ficou minha juventude? (VAI ATÉ O ARMÁRIO
PEGA UM ESPELHO DE MÃO E OBSERVA O PRÓPRIO ROSTO) Quantas rugas! O tempo
passou! (DESESPERADA) Pedro Arnaldo, o tempo passou. Você deixou o tempo
passar. Estou aqui à sua espera como estive todos esses anos. Você prometeu
voltar, lembra? (MAIS CALMA) Lembro-me como se fosse hoje. Você chegou montado
na sua vespa, estacionou e eu estava lá te esperando com a notícia. (COMO SE
FALASSE COM ALGUÉM) Pedro Arnaldo, estou grávida! Não é lindo? Agora nosso amor
está completo. Você me olhou triste e disse que ia partir naquele dia. Ia
continuar os estudos no Rio de Janeiro. Disse que me amava e que queria aquele
filho tanto quanto eu, mas seus pais tinham decidido. Você tinha que partir.
Fez com que eu jurasse que nunca seria de nenhum outro homem e que ficaria
esperando sua volta, porque você voltaria quando se formasse. Aí a gente se
casaria e viveríamos felizes para sempre, como nas histórias de amor. Era só
uma questão de tempo. Logo estaríamos juntos outra vez. (ABRE UMA GAVETA DO
ARMÁRIO E PEGA UMA FOTO ANTIGA) Bons tempos aqueles, Pedro Arnaldo! Amor ao som
de rock and roll. Tanto amor, tantas promessas... (FORA DE SI) Por que você não
voltou, meu amor? Já sei! Não precisa responder. Não teve tempo ainda, não é?
Não tem problema. Eu espero. Esperei ontem, espero hoje, amanhã, todos os dias
eu espero que você entre por essa porta e venha resgatar o tempo perdido. Olha,
minhas pernas não são mais as mesmas. Têm agora as marcas do tempo. (OLHA OS
SEIOS) E os meus seios? Nada é igual. (CONFIDENCIAL) Maria, a nossa filha, já
está crescida e estuda num ótimo colégio onde tem a educação digna de uma filha
de rei. Porque você é um rei. O rei do meu coração, da minha vida. (BATEM
NA PORTA) Vinte anos esperando. (PAUSA. VOLTAM A BATER NA PORTA, DESTA VEZ COM
MAIS FORÇA. MARTA VOLTA A SI, ENXUGA AS LÁGRIMAS, GUARDA A FOTO NA GAVETA E
CAMINHA PARA A PORTA) Já vou! Já vai! (NA PORTA) Ah! É a senhora, dona Zezinha?
Acordei meio tarde hoje. Um minuto que se atrasa e pronto, atrasa tudo. Pode
ficar descansada, dona Zezinha. Não vai ser por minha causa que sua filha vai
deixar de casar. A Antônia vai ter um bolo especial. Afinal ela merece, não é?
Levou tanto tempo para conseguir um noivo. Quero dizer, está muito difícil
achar um homem de bem para se casar, hoje em dia. Não se preocupe, dona
Zezinha. Na hora combinada pode mandar buscar o bolo. Quanto ao preço vou
manter o combinado. Mas a senhora há de convir que fica praticamente impossível
manter a qualidade com preços tão baixos. Tudo aumenta todo dia. A senhora viu
o preço da farinha, do leite, da manteiga? Sem falar no chocolate. Está tudo
pela hora da morte. Um absurdo! Até logo, dona Zezinha. (VOLTANDO) Em vez de
ficar preocupada com o bolo, devia era vigiar o noivo da filha. Duvido
muito que ele esteja casando por livre vontade. Estão pegando o rapaz no laço.
Sei muito bem. (PARA A PLATEIA) Dona Zezinha é entendida desses assuntos de
feitiçaria. Fazer casamento, separar casal é com ela mesma. É tiro e queda. Não
dá outra. Numa dessas, tratou de arranjar um marido para a filha que, diga-se
de passagem, consegue ser mais feia que uma coruja no escuro. (OLHA O RELÓGIO E
SE ASSUSTA) Tudo isso? Tenho muito que fazer. Daqui a pouco me aparece a
Rita procurando pelo bolo da filha. Aniversário de quinze anos. Dizem que vai
ser um festão. Com valsa e tudo. Uma beleza! (ASSUSTADA) Meu Deus! Ia me
esquecendo do último capítulo. Ai, meu Deus! Será que vai dar tempo? (SAI. LUZ
APAGA)
CENA II
MARTA - (MARTA
ESTÁ TERMINANDO DE CONFEITAR UM BOLO DE CASAMENTO. BATEM NA PORTA. MARTA VAI
ATENDER. SURPRESA.) Flores!? Pra mim? Ninguém me manda flores. Deve ser engano,
moço. Isso não deve ser pra mim. Uma simples doceira não recebe flores nem no
dia do aniversário. Marta Gouveia!? Sim, sou eu. Obrigada! (PEGA AS FLORES,
COLOCA NA MESA E FICA A ADMIRÁ-LAS POR ALGUNS INSTANTES COMO SE NÃO ACREDITASSE
NO QUE VÊ) Estão querendo me deixar maluca. Não estou entendendo nada. Primeiro
acordo e encontro a casa toda enfeitada, aquela camisola e agora recebo flores.
Se fosse novela, sem dúvida seria o último capítulo. Dia em que tudo pode
acontecer. Quem está longe volta, quem odeia passa a amar, pai perdoa filho,
mulher perdoa marido, a mocinha finalmente consegue o beijo esperado durante
toda a novela. Será Marta? Será que o dia tão esperado chegou? (PEGA AS FLORES
COM CARINHO) Pedro Arnaldo... Não posso acreditar! É isso! Ele está voltando.
Pedro Arnaldo está voltando para os meus braços. Ai, meu Deus! Esperei
tanto por este momento que agora não sei se estou preparada para ser feliz.
Será que ele vai gostar de mim assim velha e feia como eu estou agora? (PEGA O
ESPELHO) Não adianta ficar olhando neste espelho tentando não enxergar estas
rugas, este olhar já meio perdido, apagado. Mas por que estou me preocupando
com isso? Hoje é o último capítulo. Posso ficar bela como num passe de mágica.
(DESFILA SENTINDO-SE BELA) Tudo pode acontecer. É a hora do sonho se realizar.
A gata borralheira vira Cinderela e vai ao baile. É claro. (SONHADORA) Sabia
que você não se esqueceria de mim, Pedro Arnaldo! Você se lembrou de mim, do
meu aniversário. Hoje sou a mulher mais feliz do mundo. (BATEM NA PORTA)
É ele! Não. Não pode ser. Acho que não estou preparada. (TEMEROSA) Tenho tanto
medo. (ENCORAJANDO-SE) Vamos lá. Preciso enfrentar a situação. Afinal esperei
por isso tanto tempo. Pedro Arnaldo está do outro lado da porta. Já
pensou? Só uma porta me separa do homem da minha vida. Vamos lá. Preciso
ter coragem. (NOVAS BATIDAS NA PORTA) Ai, meu Deus! Não posso. Acho que vou
desmaiar. (AMEAÇA DESMAIAR E DESISTE) Não seria justo ficar desmaiada enquanto
meu amor me espera do outro lado da porta. (PARA A PLATEIA) Será que é ele?
Vocês não estão entendendo nada, não é? É que eu amei muito esse homem que está
do outro lado da porta. Era jovem, bonita. Tinha as pernas mais bonitas da
cidade. Era disputada por todos os rapazes e odiada por todas as moças. Elas me
odiavam porque seus namorados viviam me olhando, mexendo comigo. Mesmo quando
estavam com elas do lado. Até que eu me divertia. A Carmem, minha irmã, morria
de inveja. Eu usava decotes deixando meus seios bem à mostra. (TENTA FAZER UM
DECOTE NO VESTIDO QUE USA) Bem provocante. Os rapazes me chamavam de a Marilyn
Monroe brasileira. Onde eu passava chamava atenção. Mantinha todos apaixonados
por mim e não me interessava por nenhum deles. Minha mãe dizia que eu não
prestava. (IMITA A MÃE) “Desfrutável, vagabunda!” (COMEÇA A RIR BAIXINHO E VAI
AUMENTANDO O RITMO ATÉ CHEGAR ÀS GARGALHADAS. PARA BRUSCAMENTE. TRISTE) Até que
um dia o Pedro Arnaldo apareceu com aquele jeitão de James Dean e o meu coração
disparou. Foi amor à primeira vista. Como foi bonito! Marilyn Monroe e James
Dean num encontro que nem no cinema aconteceu. (SAUDOSA) Passávamos todo o
tempo juntos. Mamãe e Carmem no meu pé. Eu era a vergonha da família. (VOLTA A
IMITAR A MÃE) “Desfrutável, vadia, prostituta...” No fundo era inveja da Carmem.
Ela não aceitava que eu tivesse tanta sorte com os homens e ela... Ela e todas
aquelas horrorosas que não tinham um James Dean só prá elas. O final vocês já
sabem, não é? Depois de tanto amor, um dia ele partiu e nunca mais ouvi o ronco
daquela vespa. Nunca mais. Agora esse homem está do outro lado da porta e eu
não sei o que fazer. Tenho medo de abrir. Nunca se sabe o que há do outro lado
da porta. Ao abri-la posso encontrar a felicidade, mas também posso perdê-la.
Que complicado! Agora dei para filosofar. Enquanto isso Pedro Arnaldo me espera
do outro lado da porta para que possamos viver felizes para sempre, como num
happy end amoroso. (BATEM NA PORTA) Vai Marta, vai. (COM CORAGEM) Eu vou! Eu
tenho que ir. Mas o que eu vou dizer quando abrir a porta? (ENSAIA) Pedro
Arnaldo, meu amor! Esperei por você todos esses anos. Nunca perdi a
esperança... Ah, obrigada pelas flores, pela surpresa! Obrigada, meu amor! É
isso. (RESPIRA FUNDO E CAMINHA PARA A PORTA COMO SE PISASSE NAS NUVENS. ABRE.
SUSTO. ENTRA GINA GERMANO, PERSONAGEM DA FICTÍCIA NOVELA “LEÃO FERIDO”. ANDA E
GESTICULA COMO PERSONAGEM DE FICÇÃO.)
GINA GERMANO - (ENTRANDO)
Como ousa deixar Gina Germano esperando por tanto tempo?
MARTA - (DECEPCIONADA) Mas...
GINA GERMANO -
Pensou que era ele, não é?
MARTA - Como sabe?
GINA GERMANO - Sei
tudo sobre sua vida.
MARTA - Ei,
deve estar havendo alguma confusão. Você está trocando as bolas. Porque quem
sabe tudo sobre sua vida, sou eu. (AUTORITÁRIA) O que você está fazendo aqui?
(APONTA PARA O APARELHO DE TELEVISÃO) Não devia estar lá para o último
capítulo?
GINA GERMANO - Devia.
Só que antes resolvi fazer-lhe uma visitinha.
MARTA - Quer
dizer que Gina Germano me dá o prazer de vir pessoalmente à minha casa? Que
honra! (REPARA EM GINA) Ai, como você é fina, delicada, cheirosa! Até parece
que nem existe. (PARA A PLATEIA) Esta é a Gina Germano, a heroína da novela das
oito. Nunca pensei que isso pudesse acontecer. Logo eu, uma simples
dona de casa, favelada, doceira, receber uma visita tão importante e ilustre. É
demais! (TOTALMENTE PERDIDA) Senta. Não repara na bagunça. É casa de pobre.
GINA GERMANO - Não
se preocupe. Eu entro em casas piores.
MARTA - (PAUSA)
Aceita um café?
GINA GERMANO - Não,
obrigada! Não tomo café.
MARTA - Que
pena!
GINA GERMANO –
(PAUSA) Vim aqui porque preciso de sua ajuda. Estou com um problema que
só você pode me ajudar resolver.
MARTA - (ASSUSTADA)
Eu? (PARA A PLATEIA) Nossa! Dona Cotinha, minha vizinha aí do lado, vai morrer
de inveja quando souber que a moça da novela veio me pedir ajuda. (PARA GINA)
Não precisa nem dizer nada. Já sei. Hoje é o último capítulo e estão
programando uma grande comemoração. Por isso você quer encomendar um bolo. Quem
sabe você não prefere uma bela torta de frutas, bombons, brigadeiros...
GINA GERMANO -
(IMPACIENTE) Não é nada disso.
MARTA - Como
não? As pessoas só me procuram quando precisam encomendar doces. Estou aqui
para adoçar a vida.
GINA GERMANO - É
outra coisa.
MARTA – Que
outra coisa?
GINA GERMANO - Algo
muito grave.
MARTA - Diga logo.
Pare com esse suspense. Você não está na novela. Pode dizer tudo de uma
vez.
GINA GERMANO - Desculpe.
É que estou acostumada com intervalo comercial, cenas do próximo capítulo...
MARTA - Eu entendo.
Na vida real não tem nada disso. Tudo é dito ali, na bucha.
GINA GERMANO - (CHOCADA)
Ai, que linguajar!
MARTA - (OFENDIDA)
Se queria linguajar fino, não devia ter vindo parar na casa de uma favelada.
GINA GERMANO - Desculpe.
(TIRA UM LENÇO DA BOLSA E ASSOA DELICADAMENTE O NARIZ) Estou desesperada,
Marta. Hoje é o último capítulo e até agora não sei que fim eu terei. Se o
Mário fica comigo ou com a Dolores Fátima. (FRÁGIL) Me ajuda, Marta! Preciso
muito reconquistar esse homem para sempre. (CHORA ALTO) Deixe-me ficar aqui.
MARTA - Mas
... E os seus...
GINA GERMANO - Disse
para todos que ia para a casa da praia.
MARTA - Novela
tem sempre disso, não é? É uma mania de se refugiar na casa de campo, de
praia... Quanta frescura!
GINA GERMANO - Me
ajuda, Marta!
MARTA - Quer
saber de uma coisa? Para mim está tudo errado nesta novela. Se fosse eu, faria
tudo diferente. Os pares estão todos trocados. E depois essa história de
mocinha que se casa com homem rico, por interesse, e tempos depois se torna
infeliz, humilhada e coisa e tal, isso já não cola mais. Para mim o autor
vacilou.
GINA GERMANO - Quem?
MARTA - O
autor.
GINA GERMANO - Quem
é esse?
MARTA - Não
sabe!? Que absurdo! O autor... Como eu te posso explicar? O autor é o criador do
personagem, é como se ele fosse um deus, entende? É ele quem decide o seu
destino. Reze, faça orações, peça com fervor. Quem sabe ele te ajuda?
GINA GERMANO -
(REFERÊNCIA RELIGIOSA) Ah, sim! Que o autor me ajude!
MARTA - Amém!
GINA GERMANO -
(PAUSA) Você acha que o Mário fica comigo ou com a Dolores Fátima?
MARTA - Bem...
GINA GERMANO - Não
precisa responder. Sei que você está torcendo para que ele fique com a Dolores
Fátima, como todo mundo. Só porque ela sempre foi fiel a ele e tudo.
(ALTERADA) É de mim que ele gosta. Mário me ama!
MARTA - Mas
foi a Dolores Fátima que esteve do lado dele em todos os momentos difíceis de
sua vida. Mesmo sabendo que ele só tinha olhos para você, a outra.
GINA GERMANO - (OFENDIDA)
Até você?
MARTA - É bem
verdade que você não tem culpa de ter vivido no meio em que viveu. Mas isso não
justifica o seu ato. Bastou ele viajar para que se casasse com o Oscar Pedro.
Outro nomezinho horroroso. Esse autor! Isso sem falar que você entregou sua
filha, sua própria filha, para uma estranha criar. Uma barbaridade!
GINA GERMANO - Entenda,
Marta! Eu não tinha outra saída. Sei que errei. Quem no meu lugar não teria
feito a mesma coisa? Quem? De um lado uma carreira de atriz em ascensão e do
outro... Eu tive que optar!
MARTA - Foi
leviandade. Pura leviandade. Poderia ter criado a filha e ao mesmo tempo
seguido sua carreira. (GINA TEM OUTRO ACESSO DE CHORO. MARTA FICA COM PENA)
Está bem! Sei que o autor exagerou nas tintas, mas devo confessar que
estou torcendo para que o Mário Santana finalmente descubra o amor ao lado da
Dolores Fátima; uma mulher honesta, compreensiva, amiga, companheira de todas
as horas e que acima de tudo nunca o abandonou. (EMOCIONADA) É tão bonito o
amor que ela sente por ele! Nunca vi alguém amar tanto sem pedir nada em troca.
Que desprendimento! É lindo! (EMPOLGADA) E naquela cena em que você levou
a filha para ela criar, hein? Dolores recebeu a criança nos braços com tanto
amor e carinho, mesmo sabendo que aquela era a prova de que o Mário nunca a
havia amado de verdade. Criou a menina como se fosse sua própria filha. Tempos
depois, quando aquela criança já é uma mocinha, a leva para que conheça sua
verdadeira mãe e então decida com qual das duas ficar. Fico até arrepiada com
essa história. (ENCARA GINA) É contra essa mulher que quer que eu torça esta
noite? Não, eu não posso. Esta noite, quando for apresentado o último capítulo,
Mário Santana fica com Dolores Fátima!
GINA GERMANO - (LEVANTA
E VAI SAINDO) Adeus, Marta!
MARTA - Não,
não vai ainda.
GINA GERMANO - Preciso
ir. Pensei que pudesse me ajudar, mas pelo que vejo vou ter que amargar minha
derrota esta noite. (DRAMÁTICA) Ficarei
a ver navios!
MARTA - Coitada!
GINA GERMANO - (TRÁGICA)
Se meu final não for ao lado do Mário, prefiro a morte!
MARTA - Também
não é assim. Tragédia no último capítulo nunca deu certo. (AMÁVEL) O autor pode
te arrumar um novo pretendente.
GINA GERMANO - Como
assim?
MARTA - É muito
comum a personagem fazer uma viagem e conhecer um novo amor ou de repente
descobrir-se apaixonada por alguém com quem convivia há muito tempo e gostava
sem perceber. Não se preocupe! Em novela tudo é possível. De uma cena para
outra tudo pode mudar. É verdade que o autor recebeu muitas cartas pedindo um
castigo para Gina Germano no final da história, mas...
GINA GERMANO - O
que foi que você disse?
MARTA - O
público quer o seu castigo no último capítulo.
GINA GERMANO - Quer
dizer que todos pensam que sou a vilã da história?
MARTA - Exatamente.
GINA GERMANO – (COM
DESPREZO) Quem esse tal “público” pensa que é?
MARTA - No
mínimo a garantia do sucesso da novela. Sem o público não há novela que resista
no ar.
GINA GERMANO - Idiotas!
Imbecis! Gentinha!
MARTA - Não ofende!
GINA GERMANO - Desculpe.
(PAUSA) E você? Quer me ver castigada também?
MARTA - Sim.
GINA GERMANO -
(CHOCADA) O quê?
MARTA - Isso
mesmo. Você foi muito mau caráter. Abandonou o Mário, a filha e se casou por
interesse com o Oscar Pedro, destruindo a vida do coitado.
GINA GERMANO - Coitado?
MARTA - Oscar
Pedro era um dos atores mais respeitados do Brasil quando se casou com você.
Hoje não passa de um bêbado, uma sombra do que foi.
GINA GERMANO - Não
tive culpa.
MARTA - Não?
E a filha que teve com ele? Onde ela está?
GINA GERMANO - Thaís
está num colégio na Suíça.
MARTA - Mandou
a filha para um colégio fora do país para não ter que se preocupar com ela. No
fundo, o mesmo que fez com a Rita Solange. (ENFÁTICA) Você é perversa!
GINA GERMANO - (PAUSA) É sua última palavra?
MARTA - É.
GINA GERMANO - (PREPARANDO-SE
PARA SAIR) Depois não diga que eu não avisei.
MARTA - Ei,
espere aí. Não vai embora assim. Ainda nem provou dos meus docinhos.
Espere aí.
GINA GERMANO - Você
escolheu. Adeus! (SAI. PAUSA. MARTA FICA PARADA SEM AÇÃO)
MARTA - Se eu
contar ninguém acredita. Queria ver a cara da dona Cotinha, a minha vizinha.
Parece fofoqueira de novela. Ela ia morrer de inveja.
GINA GERMANO - (VOLTANDO)
Estava me esquecendo de uma coisa...
MARTA - O que
foi?
GINA GERMANO - As
flores...
MARTA - O que
tem elas?
GINA GERMANO - Leu
o
cartão?
MARTA - Cartão?
É claro! O cartão. (PEGA O BUQUÊ E RETIRA O CARTÃO. LÊ COM TEMOR) “Do seu,
Alfredo.” (DECEPCIONADA) Não, não pode ser. (ATIRA AS FLORES NO CHÃO) O Alfredo
ficou maluco. Onde já se viu? Comprar flores com a vida do jeito que está, com
tanta coisa faltando aqui em casa, o dinheiro para o colégio da Maria... (VÊ
GINA) Desculpe! É que...
GINA GERMANO - (RI
ALTO) Pensou que eram dele, não é?
MARTA - Por
um momento pensei que a felicidade existia.
GINA GERMANO - (CRUEL)
Esteja preparada para o último capítulo! (SAI DANDO GARGALHADAS)
MARTA - Espera.
Não me deixe aqui sozinha. (VÊ O BOLO SOBRE A MESA) Ai, meu Deus! E dona
Zezinha que não vem buscar este bolo? (LUZ APAGA)
CENA III
MARTA FALA COM ALGUÉM NA PORTA. O BOLO NÃO SE ENCONTRA MAIS SOBRE A
MESA.
MARTA - Cuidado! Não
vai deixar este bolo cair no chão. Diga para dona Zezinha que espero só até
segunda pelo pagamento. Nem mais um dia. (ENTRA. VAI ATÉ A MESA, PEGA UMA
VASÍLIA E COMEÇA A BATER UM BOLO. ESTÁ VISIVELMENTE NERVOSA, ANDA DE UM LADO
PARA O OUTRO, PARA CONSULTA O RELÓGIO E VOLTA A CAMINHAR. ENTRA ALFREDO. É UM
HOMEM FRANZINO, UM POUCO MAIS JOVEM QUE MARTA.)
ALFREDO - (JOGA-SE
NO SOFÁ) Tive um dia de cão. Aquele turco safado ainda me mata de tanto
trabalhar. É só trabalho e mais trabalho. Aumento que é bom, nem pensar. Acha
que sou de ferro.
MARTA - (APONTA
PARA OS ENFEITES E AS FLORES) O que significa isto?
ALFREDO - É
para você. Gostou da surpresa? ( LEVANTA-SE E TENTA ABRAÇÁ-LA) Feliz
aniversário!
MARTA - (FURIOSA) Me
deixa!
ALFREDO - Ei,
só um abraço.
MARTA - Não
achei graça nenhuma. Primeiro, acordo de manhã e encontro a casa toda
fantasiada parecendo um circo, depois, a camisola e finalmente as flores. Está
querendo brincar comigo, é? Sou uma mulher honesta, trabalhadora. Você não tem
o direito de fazer piada dos meus sentimentos.
ALFREDO - Não
fiz por mal. Só queria agradar. Afinal você vive reclamando que nunca me lembro
do seu aniversário. Pensei que ficaria feliz com a surpresa.
MARTA - Gasto
inútil. Precisando comprar tanta coisa aqui para casa. Meu fogão está um
cacareco. Para não falar do sofá que já quebrou dois pés.
ALFREDO - Esquece
o fogão, o sofá quebrado. Hoje é o seu aniversário. A vida está dura, o
dinheiro não dá para nada, mas não podemos deixar de viver por isso.
MARTA - (CONTINUA
BATENDO O BOLO) Deixa de conversa, Alfredo. Some com estas tralhas daqui.
ALFREDO - Por
quê?
MARTA - Não
quero nada disto aqui.
ALFREDO - (OFENDIDO)
Comprei com tanto carinho. (PAUSA) Olha, as coisas vão melhorar. (ANIMANDO-SE)
Acho que dessa vez fico sócio do homem. O turco voltou a tocar no assunto, a
falar em sociedade de novo. É Claro. Ele já viu que precisa de mim.
Aquela loja não funciona sem a minha presença. Os fregueses já estão
acostumados com o meu jeito. Só entram na loja quando eu estou lá. O turco
fica puto da vida. (PAUSA) É só conseguir o dinheiro. Já imaginou? Sócio. Vinte
por cento de tudo aquilo. Dinheiro não vai faltar nesta casa. Você não vai mais
precisar fazer doces para vender. Acredite, tudo vai mudar!
MARTA - (GRITA)
Para! Chega! Será que não percebe que nunca vai conseguir esse dinheiro? É a
milionésima vez que me vem com essa história de sociedade. Bota os pés no chão,
homem! Vinte anos dizendo a mesma coisa, as mesmas promessas. Diz que tudo vai
melhorar e isso nunca acontece.
ALFREDO - Agora
é diferente. Dessa vez estou com fé que vai dar. É pra valer mesmo. A gente vai
viver sem problema de dinheiro. Podemos até pensar em deixar o morro e ir morar
lá embaixo no asfalto.
MARTA - Estou
cansada de ouvir besteira. Vive no mundo da lua. (PAUSA) Marido mesmo é o
Peixoto... A Carmem teve sorte. Ninguém dava nada pelo Peixoto quando eles se
casaram. Homem inteligente, só fez subir na vida. E a casa da Carmem? Maria me
disse que é um luxo só. Parece casa de novela. Tenho vergonha quando a
Carmem vem aqui. Tudo quebrado. Nunca sei onde colocar a cara.
ALFREDO - Estou
estranho você, Marta. Nunca falou assim. Até bem pouco tempo você era a pobre
da família, porém cheia de virtudes. A Carmem era uma interesseira que se casou
de olho no dinheiro da família do marido. Que foi que aconteceu?
MARTA - Muita coisa.
(FORA DE SI) Sabia que hoje é o dia do último capítulo?
ALFREDO - (SEM
ENTENDER) O quê?
MARTA - Hoje
é o dia do último capítulo e por isso tudo pode acontecer.
ALFREDO - Essa
sua mania de novela ainda vai te deixar maluca.
MARTA - (COMO
SE VOLTASSE A SI) Não adianta desviar a conversa. Já disse que não quero nada
disso. Pode desmontar o circo que o espetáculo acabou. Vem com flores, esta
camisola de fazenda vagabunda comprada numa barraca na Central do Brasil e toda
esta presepada que é para que eu esqueça os milhões de outras coisas que não
pode me dar.
ALFREDO - Um
dia tudo muda, Marta. A gente nunca dá azar a vida toda. Batalho, faço o que eu
posso, mas não dá. Fazer o quê? Um dia dá. (PAUSA) Queria te dar o mundo. Isso
é tudo que posso agora.
MARTA - Dá um
fim nisto. O dinheiro que gastou dava para ajudar a pagar o colégio da Maria
que está atrasado.
ALFREDO - Dá-se
um jeito. Paga quando tiver o dinheiro. Sempre foi assim. Não tem hoje, amanhã
quem sabe...?
MARTA - Amanhã,
amanhã... Vive para um amanhã que nunca vem. Estou cansada disso. (EXPLODINDO)
Cansada de você!
ALFREDO -
(HUMILHADO) Quer dizer que não precisa mais de mim?
MARTA - Não!
ALFREDO - Há
vinte anos, quando estava sozinha com um filho na barriga, precisou.
MARTA - Essa
história outra vez. Está arrependido?
ALFREDO - Não.
(PAUSA) Não fiquei com você por pena, fiquei por amor.
MARTA - (RINDO)
Não acredito nisso. Casou comigo porque vivia só. Não tinha ninguém. Nem pai,
nem mãe. Não tinha família. Era uma alma penada. Não tinha onde morar e vivia
pela rua como mendigo. Aí veio morar no meu barraco, te dei um teto e sempre
fui fiel.
ALFREDO - Nunca
duvidei disso.
MARTA - Mas
vive jogando na minha cara que me tirou da sarjeta. Com sua ajuda, ou sem ela,
eu criava a Maria. Sempre batalhei na vida.
ALFREDO - (PAUSA)
Nunca esqueceu aquele fantasma.
MARTA - E
nunca vou esquecer! Quando você veio morar aqui, sabia de tudo.
ALFREDO - São
vinte anos, Marta. Vinte anos esperando por um momento de amor.
MARTA - Nunca
poderei esquecer. (CHORA) Foi forte demais. Amei muito. (PARA O CHORO
REPENTINAMENTE) Não te prometi nada.
ALFREDO - (ENCARANDO
MARTA) Ele não vai voltar! Esquece isso. Ainda temos chance. Me dá o seu amor,
por favor. Estou implorando. Aceita as flores, é com amor. (JOGA-SE NOS
PÉS DE MARTA) Eu te amo, Marta! Eu te amo! Foi por isso que entrei nessa
loucura. Passei todos esses anos fazendo seu jogo, agora não dá mais. Preciso
do seu corpo, do seu amor...
MARTA - (GRITA)
Para com isso! você prometeu que nunca ia exigir nada de mim. Sabia que nosso
casamento não era igual aos outros. Aceitou viver assim porque quis. Não te
obriguei a nada. Quer sair fora? Ainda está em tempo. Vai embora! Vai procurar
alguém que te dê o corpo, amor, porque eu não posso. Não posso! Já disse que
não posso! (AFLITA) Não me obrigue a trair o homem que eu amo. Ele prometeu
voltar. Ele vai voltar!
ALFREDO - Esse
homem não existe. É uma alucinação, uma fantasia. Eu estou aqui, sou a
realidade dos seus dias. Chega de sonhar com esse príncipe encantado como se
fosse uma mocinha de novela. (PAUSA) Nossa vida podia ser tão diferente. A
gente podia viver feliz aqui neste barraco pobre, sem conforto, com dinheiro
faltando no final do mês para pagar as contas.
MARTA - (TOTALMENTE
FORA DE SI) Hoje é o dia do último capítulo e essa história precisa de um
desfecho. É hoje que Pedro Arnaldo volta para os braços de Marta Gouveia. (PARA
A PLATEIA) O público está exigindo Pedro Arnaldo e Marta Gouveia juntos no
final desta história.
ALFREDO - (NERVOSO)
Para de falar desse homem. Tantos anos ouvindo a mesma coisa. Se soubesse onde
encontrar esse infeliz, juro que...
MARTA - Jura
o quê?
ALFREDO - Nada.
MARTA - (PÕE
ALFREDO À PROVA) O que você faria? Mataria ele, é?
ALFREDO - Não
faria nada. Não posso fazer nada mesmo. Nunca vou conseguir tirar essa fixação
de sua cabeça. Aceitei viver sem sexo, sem amor, esperando que um dia você me
amaria. Um dia chegaria em casa e te encontraria dócil e apaixonada me
esperando para jantar, descobrindo o amor em mim que estou do seu lado. Pelo
contrário. Cada vez estamos mais distantes. (PAUSA) Um marido esperando há
vinte anos por um beijo, um abraço, um gesto de amor por mais breve que fosse.
(DESESPERADO) Estou carente, Marta. Preciso de um carinho. Pensei que fosse
forte, mas não sou. Sou humano, gente. Preciso de amor.
MARTA - (INSENSÍVEL)
Vai procurar suas negas. Vai pra rua. Não foi sempre assim? Não vai ser
diferente dessa vez.
ALFREDO - (CAMINHA
PARA MARTA E A ENCARA) Qual o seu preço, hein? Qual é o seu preço? Fala!
MARTA - Para
com isso, Alfredo!
ALFREDO - Lembra
da sua fama lá no interior? (ZOMBA) Maria Gasolina! Maria Gasolina! Vai com
todos. Quanto você cobrava, hein?
MARTA - (ENCOLHENDO-SE
HUMILHADA E ENVERGONHADA) Não fala assim, Alfredo! Por favor! (PARA A PLATEIA)
Não acredita no que ele está falando. Não é verdade! Era fofoca. Sempre fui
moça direita.
ALFREDO - Maria
Gasolina, Maria Gasolina, Maria Gasolina...
MARTA - (TAPA
OS OUVIDOS DESESPERADA) Não!
ALFREDO - (TIRA
ALGUM DINHEIRO DO BOLSO E JOGA SOBRE MARTA) É esse o seu preço?
MARTA - (AVANÇA
SOBRE ALFREDO DANDO-LHE UM TAPA NO ROSTO, DESORIENTADA PEGA TODOS OS ENFEITES,
INCLUSIVE A FAIXA E AS FLORES E JOGA NOS PÉS DELE) Isso foi longe demais.
Estava até pensando em aceitar. Agora some com esta tralha daqui. (GRITA) Fora
daqui!
ALFREDO - (PEGA
AS COISAS E SAI)
MARTA - (PROFÉTICA)
Agora não há como parar essa história. O fim está próximo. (VOLTA A BATER O
BOLO, PRIMEIRO LENTAMENTE, DEPOIS VAI AUMENTANDO O RITMO ATÉ A EXAUSTÃO. MARTA
SAI. LUZ APAGA.)
CENA IV
ALFREDO ENTRA CAMBALEANDO. CAI E LEVANTA COM DIFICULDADE. CANTAROLA “O
ÉBRIO” EXAGERADAMENTE ALTO. MARTA ENTRA.
MARTA - (ENTRANDO)
Bebeu?
ALFREDO - Queria
o quê? Não é assim que os infelizes comemoram?
MARTA - (COM
TERNURA) Não precisava exagerar.
ALFREDO - (TENTA
CAMINHAR E CAI. MARTA O AJUDA, MAS ELE NÃO ACEITA.) Não preciso de sua ajuda.
Não sou inválido.
MARTA - Fala
baixo.
ALFREDO - Não
fosse o ridículo saía pelo morro gritando que sou um infeliz, que não tenho o
amor da minha mulher, que ela se nega a dormir comigo porque espera que um
namoradinho do passado venha buscá-la montado numa vespa. Só não faço isso
porque depois não teria cara para descer o morro.
MARTA - (NERVOSA)
Vai começar de novo? (BATEM NA PORTA. MARTA VAI ATENDER. NA PORTA) Não é nada,
dona Cotinha. Só estamos conversando.
ALFREDO - (FALA
ALTO) Pode dizer para todo mundo que esta mulher não dorme comigo. (CAMINHA
PARA A PORTA) Ela ama outro.
MARTA - Boa
noite, dona Cotinha! (VOLTA DA PORTA) Olha aqui, Alfredo, minha paciência tem
limite. Está querendo briga?
ALFREDO - Quero
amor, carinho.
MARTA - A
gente já conversou sobre isso.
ALFREDO - Mulher
de pedra.
MARTA - (CONCILIADORA)
Vivemos tão bem até agora, Alfredo. Você sempre aceitou tudo numa boa, como diz
a Maria. Lavo sua roupa, faço sua comida, dou um duro danado o dia inteiro.
Faço o que posso.
ALFREDO - Destruiu
a minha vida. Era jovem, tinha uma vida inteira pela frente. Tantos sonhos para
viver. (NOSTÁLGICO) Você era a garota mais bonita da cidade. Ninguém escapava de
se apaixonar pela Marilyn Monroe brasileira. Sensual, provocante, diferente
daquelas garotas bobocas. Na turma não tinha um que não desejasse a Martinha dos
seios grandes, das pernas grossas, do requebrar provocante. Você se divertia
com todos fazendo aumentar a cada dia o desejo e a paixão. (PAUSA) Eles
conseguiram se livrar de você e deram outro rumo para suas vidas. Só eu não
consegui. Quando você apareceu grávida, sozinha e humilhada, pensei que era o
momento certo. Eu ia ter a Martinha só pra mim. Não tinha importância se o
filho que ela trazia na barriga não fosse meu. O importante é que eu tinha
conseguido. Que burrice! Embarquei numa canoa furada. (FORA DE SI) Você
me enganou. Não podia ter feito isso comigo. Sou um cara bom, honesto, temente
a Deus. Tudo que eu queria na vida era uma mulher que me amasse, uma
casa cheia de filhos. Merecia uma vida melhor. Você desgraçou comigo.
MARTA - (CARINHOSA)
Quer um café amargo?
ALFREDO - Não
quero nada. (PAUSA) Queria que entendesse. Não pode uma pessoa dizer que ama
alguém e ser tão fria.
MARTA - (ABRE
UMA GAVETA DO ARMÁRIO E TIRA UMA CABELEIRA LOURA. COLOCA A CABELEIRA E ASSUME
UM AR SENSUAL, COMO SE IMITASSE MARILYN MONROE. NUM ATO BRUSCO ABRAÇA ALFREDO
COBRINDO-LHE DE BEIJOS.) Não era isso que você queria? Um beijo, meu corpo...
(AFASTA-SE DE ALFREDO) Vem, meu corpo está aqui. Vem, Alfredinho, vem.
ALFREDO - Sabia
que um dia você compreenderia, Martinha.
MARTA - Aqui
está o corpo com o qual você sonhou a vida inteira. Vem possuir este corpo,
vem.
ALFREDO - Oba!
Finalmente o adolescente Alfredo conquista sua amada.
MARTA - Marilyn
Monroe ataca outra vez.
ALFREDO - (PARTE
COMO UM LOUCO PARA CIMA DE MARTA) Marilyn Monroe, meu amor!
MARTA - Agora
sou toda sua.
ALFREDO - (
GRITA ) Valeu, Alfredo!
MARTA - Meu
James Dean.
ALFREDO - Ah, isso é
um sonho!
MARTA - (CAI
EM SI) O que é isso? (REPELE ALFREDO COM HORROR) Não. Me larga!
ALFREDO - (TENTA
AGARRÁ-LA) Vem, Martinha. Nós podemos ser felizes.
MARTA - (LIMPA
A BOCA COM NOJO) Seu sujo. Bêbado! (VAI ATÉ O ARMÁRIO, ABRE A GAVETA E TIRA UMA
FOTO) Traí você, Pedro Arnaldo. Me perdoa. (BEIJA A FOTO) Foi uma fraqueza, meu
amor.
ALFREDO - (TENTA
TIRAR A FOTO DAS MÃOS DE MARTA) Me dá isso.
MARTA - (PROTEGE A
FOTO) Não.
ALFREDO - Vamos
botar um ponto final nessa história.
MARTA - Não,
Alfredo!
ALFREDO - (CONTINUA
PERSEGUINDO MARTA) É para seu próprio bem, Marta. Vamos destruir esse passado e
tudo o que ele representa. (CORRE ATRÁS DE MARTA QUE GRITA DESESPERADAMENTE
TENTANDO ESCONDER A FOTO. ALFREDO LEVA VANTAGEM E CONSEGUE PEGAR A FOTO) Agora
é só destruir. Esta foto representa tudo o que deve ser esquecido. (TIRA DO
BOLSO UM ISQUEIRO E COLOCA FOGO NA FOTO) Veja, Marta. Veja o Pedro Arnaldo
queimando, virando cinzas.
MARTA - (DESESPERADA)
Não! Não destrua a única lembrança do passado. Preciso desta fotografia como do
ar que respiro. (FORA DE SI, PEGA A JARRA SOBRE A MESA E A JOGA CONTRA ALFREDO
QUE CAI IMÓVEL. PEGA A FOTO PARCIALMENTE QUEIMADA) Não destrua a
lembrança de um amor tão grande, tão bonito!
ALFREDO LEVANTA COM DIFICULDADE E SAI. MARTA FICA PARADA OLHANDO
FIXAMENTE PARA A FOTO. LUZ APAGA.
CENA V
MARTA FAZ FAXINA NA CASA. TUDO ESTÁ FORA DO LUGAR. MARTA PARECE
PREOCUPADA COM AS HORAS. PARA, CONSULTA O RELÓGIO E AUMENTA O RITMO.
MARTA - Oito
e meia! Agora só falta descer as cadeiras, ajeitar os bibelôs e pronto. (DESCE
AS CADEIRAS E AJEITA AS COISAS) Ufa! Finalmente estou livre para assistir à
minha novela. (LIGA A TELEVISÃO) Estou tão emocionada! Não sei se vou aguentar.
Último capítulo é sempre cheio de emoções arrebatadoras. É agora. (ENTRA VOZ DO
LOCUTOR DA TV FALANDO SOBRE A NOVELA. MARTA SENTA DIANTE DA TELEVISÃO,
MARAVILHADA)
LOCUTOR - (FORA)
A partir de agora, pela Tv. Aimoré, estaremos apresentando o último capítulo de
LEÃO FERIDO, a sua novela preferida. Durante meses você acompanhou as
peripécias de nosso herói, Mário Santana, para provar sua inocência. Agora
resta saber de quem será o seu coração. Ele fica com Dolores Fátima ou com Gina
Germano? Esta é a pergunta que não sai da boca do povo. Mas agora vamos,
finalmente, saber a resposta. Com vocês as emoções finais de LEÃO FERIDO.
(ACORDES MUSICAIS)
MARTA - Ai,
eu sabia! Mário Santana e Dolores Fátima finalmente juntos. Que coisa linda!
Olha a felicidade nos olhos da Dolores Fátima. Ela nunca imaginou que isso
pudesse acontecer. Dolores Fátima merece toda a felicidade do mundo. (PAUSA) E
a Gina Germano? Será que ela se conformou com seu final? Tem mais é que se
conformar. Ninguém mandou ser tão leviana, interesseira e mesquinha. Atrás
daquela capa de fina e elegante esconde uma mulher capaz de qualquer coisa para
conseguir o que quer. Ainda bem que o autor optou por esse final. Por que têm
umas novelas que são boas, mas no final estragam tudo. Andaram dizendo que
gravaram dois finais: num a Dolores Fátima fica com o Mário, no outro é a Gina
Germano. Gina Germano com o Mário!?... Já pensou se isso acontece? Nem
quero imaginar! Mas não há com que se preocupar. O final já está decidido.
Agora só falta a Dolores Fátima ir ao encontro do Mário Santana. Ele está
esperando por ela na casa da praia. Veja como ele está nervoso. Parece um
colegial. (A CENA QUE MARTA ASSISTE PELA TELEVISÃO PASSA A ACONTECER À SUA
FRENTE, COMO SE A CASA DELA FOSSE O CENÁRIO DA NOVELA. ENTRA MÁRIO SANTANA,
QUARENTÃO CHARMOSO. É O TÍPICO GALÃ DE NOVELA. FUMA NERVOSAMENTE, DEMONSTRANDO
ANSIEDADE. MARTA CONTINUA SENTADA, ASSISTINDO. ENTRA GINA GERMANO.)
MÁRIO SANTANA -
(ASSUSTADO) Gina!!!
GINA GERMANO - Estava
à sua procura.
MÁRIO SANTANA - Não
temos nada para conversar.
GINA GERMANO - Você
é que pensa.
MARTA - (LEVANTA-SE)
O que significa isso? Ei, Gina, o que você está fazendo aí?
GINA GERMANO - Não
se mete nisso, Marta.
MÁRIO SANTANA - Vai
embora, Gina. Estou esperando uma pessoa. Não fica bem você aqui. Vai embora.
GINA GERMANO - Está
esperando aquela cafona?
MÁRIO SANTANA - Não
fale assim. Dolores Fátima é a minha mulher.
GINA GERMANO - Não
posso acreditar, Mário. Logo você, um homem tão inteligente, fino, bonito,
viajado escolher para mulher uma caipira sem eira nem beira. Realmente, não
posso acreditar. E depois é a mim que você ama.
MÁRIO SANTANA - Amei.
GINA GERMANO - Amou
e ainda ama. Sei que errei em muitos pontos, mas você errou também quando me
abandonou grávida.
MÁRIO SANTANA - Não
tive culpa.
GINA GERMANO - Eu
sei. Você fugiu da repressão política. Já te perdoei. Por isso estou aqui. Não
podemos esquecer tudo o que vivemos no passado.
MARTA - Que
descarada! Vai acabar enrolando o Mário. Isso não pode acontecer. Não pode!
GINA GERMANO - (PARA
MARTA) Vamos ver.
MARTA - Bandida!
GINA GERMANO - Eu
te amo, Mário. Pelo seu amor sou capaz de qualquer coisa. Por você abandono
minha carreira, meu marido, minha filha. Abandono tudo. Só para
viver ao seu lado. Fica comigo. É ao meu lado que você vai encontrar a
felicidade. Vou fazer de você o homem mais feliz do mundo.
MARTA - Olha como
ela é fingida. Quem ouve até acredita. Cuidado, Mário! Esta mulher é muito
falsa.
GINA GERMANO - (PARA
MARTA) Veja como fala.
MÁRIO SANTANA - (VÊ
MARTA) Quem é esta mulher?
GINA GERMANO - Uma
telespectadora chata. Não sai do meu pé. (PAUSA) E então, Mário?
MÁRIO SANTANA - Você
sabe minha posição a esse respeito.
GINA GERMANO - Então
prefere ficar com ela?
MÁRIO SANTANA - Não
tenho dúvida. Dolores Fátima é a mulher da minha vida. Levei muito tempo para
descobrir isso. Não posso cometer outro erro. Já não sou nenhum garotinho.
(CONSULTA O RELÓGIO) Aliás, Dolores Fátima está demorando. O que estará
acontecendo?
GINA GERMANO - Você
ainda não sabe?
MÁRIO SANTANA - Não.
GINA GERMANO - Então
não te contaram?
MÁRIO SANTANA - Do
que você está falando?
MARTA - Ih,
vem maldade por aí.
MÁRIO SANTANA - Fala.
GINA GERMANO - Dolores
Fátima viajou.
MÁRIO SANTANA - Viajou?
GINA GERMANO - Sim.
E acompanhada.
MÁRIO SANTANA - Acompanhada
de quem?
GINA GERMANO - O
doutor Valdir Campelo. Eles são amantes há muito tempo.
MÁRIO SANTANA - O
quê?
MARTA - É
mentira.
GINA GERMANO - Sinto
muito, Mário.
MÁRIO SANTANA -
(DESOLADO) Não posso acreditar. (SAINDO) Não posso acreditar.
MARTA - (PARA
MÁRIO) Espere aí. Não caia na conversa desta lambisgoia. Espera, Mário.
GINA GERMANO - Que
história é essa? Quer impedir que eu fique com o Mário?
MARTA - Claro.
O Mário tem que ficar é com a Dolores Fátima. Já está decidido. Você inventou
essa história toda. Dolores Fátima nunca foi amante do doutor Valdir.
GINA GERMANO - O
que você tem com isso?
MARTA - Não
vou permitir que você passe a Dolores Fátima para trás.
GINA GERMANO - Você
não pode fazer nada.
MARTA - Posso.
GINA GERMANO - Pois
tente.
MARTA - Ainda
faltam algumas cenas para o final. O autor só está mantendo o suspense. Isso é
bastante natural em se tratando de novela. E conhecendo o autor como eu
conheço, o seu castigo já está reservado.
GINA GERMANO - Esse
autor... Não acredito nesse cara. Quem decide o meu destino sou eu.
MARTA - Logo
se vê. É claro que você não acredita no autor. Era de se esperar. Você tem
parte com o demônio. Mesmo assim, o bem triunfará.
GINA GERMANO - Duvido!
MARTA - O
Mário precisa saber de umas passagens de sua vida.
GINA GERMANO - Do
que você está falando?
MARTA - De sua
participação no atentado que ele sofreu no início da novela. Ele ainda não sabe
que você participou de tudo, juntamente com o Nonato Garcia e a Carmela Braga.
Como eles, você também não queria a volta dele.
GINA GERMANO - Você
é louca. Jamais participei de atentado algum.
MARTA - Não
se esqueça que o Nonato ainda não deu seu depoimento, apesar de estar preso.
Quando ele abrir a boca muita coisa virá à tona. Nonato não vai querer pagar
por esse crime sozinho.
GINA GERMANO - Ele
que não ouse abrir a boca.
MARTA - Eu
sei do que você é capaz, Maria das Graças!
GINA GERMANO - Meu
nome é Gina Germano.
MARTA - Vai negar o
seu passado?
GINA GERMANO - Não
sei do que você está falando.
MARTA - De
uma certa Maria das Graças, ex garota de programa, prostituta, atriz de filme
pornográfico, amante de políticos militares da ditadura, informante dos órgãos
de segurança do governo e muito mais coisas que não vêm ao caso agora. (PAUSA)
O que você não foi capaz para se tornar Gina Germano? Para se transformar nesta
mulher fria e calculista, porém rica e famosa, você foi capaz de entregar os
amigos e até o homem que dizia amar baseado em mentiras. Troca de favores.
Tenho nojo de você.
GINA GERMANO - Não
fale assim comigo.
MARTA - Quando
toda essa sujeira vier à tona, eu não sei se o Mário vai querer olhar na sua
cara.
GINA GERMANO - Isso
não vai acontecer. (DISSIMULADA) Você seria capaz de contar isso para ele?
MARTA - Não
só sou capaz de contar, como sou capaz de realizar até uma passeata pela cidade
exigindo a sua cabeça.
GINA GERMANO - (LEVANDO
A MÃO À CABEÇA) Ai!
MARTA - (DONA DA
SITUAÇÃO) Você não tem saída. Aceita o seu destino.
GINA GERMANO - Isso
nunca!
MARTA - Pior para
você.
GINA GERMANO - Gina
Germano nunca entrega os pontos. Deve haver alguma saída. (PAUSA. GINA GERMANO
ANDA NERVOSAMENTE DE UM LADO PARA O OUTRO. DE REPENTE PARA.) Já sei!
MARTA - Mais
falcatrua!? Não se emenda, não é?
GINA GERMANO - Quer
dizer que o meu destino está nas mãos de uma dona de casa, doceira e favelada?
MARTA - Doceira
e favelada com muito orgulho. Agora, quanto ao seu destino, se depender de mim,
você morre atropelada por um trem da Central. Seria uma cena linda; a bela Gina
Germano terminando esmagada, estraçalhada.
GINA GERMANO - Que
mau gosto!
MARTA - Se você
preferir morrer atropelada por um avião, podemos transferir a cena para o
aeroporto.
GINA GERMANO -
(ENCARA MARTA) Quem você pensa que é? Por acaso se acha no direito de me
julgar? Afinal, em se tratando de passado, não creio que fique me devendo
alguma coisa.
MARTA - Não misture
as coisas. Quem está sendo julgada é você e não eu.
GINA GERMANO - Isso
significa que você não será julgada pelo seu passado?
MARTA - Não.
GINA GERMANO - Por
que?
MARTA - Porque
sou humana. Os humanos podem errar e têm uma vida inteira para poder corrigir
os seus erros. Já uma personagem, como você, não tem mais que seis meses. Essa
é a diferença.
GINA GERMANO -
Então, as pessoas reais podem errar?
MARTA - Sim. Errar é
humano.
GINA GERMANO -
Interessante, muito interessante.
MARTA - Sinto muito,
Gina Germano. Sinto muito.
GINA GERMANO - Por
quê?
MARTA - Você acaba
de perder para sempre o homem que dizia amar tanto e a polícia está vindo para
cá.
GINA GERMANO - O quê?
MARTA - Mário
Santana já sabia de todos os seus crimes e avisou a polícia.
GINA GERMANO - Não é
verdade!
MARTA - Você caiu na
armadilha, Gina. Mário atraiu você para cá. Enquanto isso Dolores Fátima o
esperava no aeroporto. Ele fingiu que acreditou na sua história.
GINA GERMANO - Como
fingiu? Ele ficou tão arrasado.
MARTA - Fazia
parte do plano. Nesse momento, Mário Santana e Dolores Fátima voam para o
Caribe. Não é romântico?
GINA GERMANO - Ridículo!
MARTA - O
amor, às vezes, é um pouco ridículo também.
GINA GERMANO - (COMEÇA
A CHORAR TAPANDO O ROSTO COM AS MÃO) Estou tão envergonhada.
MARTA - O que
foi que você disse?
GINA GERMANO - Estou
muito envergonhada de tudo.
MARTA - Não
posso acreditar.
GINA GERMANO - Obrigada,
Marta. Você me ensinou muita coisa. Que pena! Poderia tê-la conhecido alguns
capítulos atrás. Dez ou vinte capítulos. Quem sabe eu não teria visto como
estava enganada em relação a vida, em relação a tudo. Mesmo assim, eu te
agradeço de coração. Obrigada, Marta. Muito obrigada.
MARTA - Não
há de quê!
GINA GERMANO - Como
prova do meu arrependimento, gostaria de lhe dar uma coisa.
MARTA - Um
presente?
GINA GERMANO - Sim.
Um presente.
MARTA - (PARA
A PLATEIA) Não é que ela está arrependida mesmo! Parece outra.
GINA GERMANO - (TIRA
UM PAPEL DA BOLSA) Aqui está.
MARTA - O que
é isso?
GINA GERMANO - Algo
que você quer muito.
MARTA - O quê?
GINA GERMANO - O
endereço dele.
MARTA - Você
tem o endereço do meu Pedro Arnaldo?
GINA GERMANO -
(ENTREGA O PAPEL À MARTA) Toma. Não perca tempo. Sai em busca de sua
felicidade. Você merece um final feliz. Os bons sempre merecem um final feliz.
Não é essa a regra?
MARTA -
(MARAVILHADA) Minha nossa senhora da Felicidade! Nem estou acreditando. Devo estar
sonhando. (LÊ O PAPEL) Como conseguiu?
GINA GERMANO - Não
interessa. O importante é que você terá um final feliz.
MARTA - Final
feliz? Ih, será que eu também faço parte dessa novela?
GINA GERMANO - Adeus,
Marta! Vou esperar pelos policiais lá fora. Estou decidida a pagar pelo que
fiz. (SAINDO) Adeus!
MARTA - Espera.
GINA GERMANO -
(VOLTANDO) O que foi?
MARTA - Queria
te agradecer.
GINA GERMANO - Não
precisa.
MARTA - Pensando
bem, você não é tão má assim.
GINA GERMANO - Obrigada.
MARTA - Olha, agora
eu até acho que você merecia ficar com o Mário Santana.
GINA GERMANO - Não.
Ele pertence à Dolores Fátima. Estou conformada.
MARTA - Que nada!
Você se revelou uma grande amiga me dando o endereço do Pedro Arnaldo. Preciso
retribuir.
GINA GERMANO - Como?
MARTA - Vou te
contar um segredo.
GINA GERMANO -
Segredo?
MARTA - O Mário
Santana viajou sozinho.
GINA GERMANO - Sozinho?
MARTA - Dolores
Fátima não pôde ir. Não conseguiu licença no hospital. Ela vai se encontrar com
ele daqui a um mês. Enquanto isso...
GINA GERMANO - Que
quer dizer?
MARTA - Tire
suas próprias conclusões.
GINA GERMANO - E
a Dolores Fátima?
MARTA - Ela se
conforma. Quem sabe ela não descobre o amor ao lado do doutor Valdir? Novela é
assim mesmo. Mudanças de última hora.
GINA GERMANO - Obrigada,
amiga. (SAINDO) Não esqueça que este é o último capítulo.
MARTA - (CHEIA
DE SI) Como eu sou boa, generosa! (CAI EM SI) O que estou esperando para ir
voando para os braços do meu Pedro Arnaldo? (SAI RODOPIANDO COMO UMA BAILARINA.
LUZ APAGA.)
CENA VI
PENUMBRA. MARTA ENTRA CANTAROLANDO FELIZ. ESTÁ ARRUMADA PARA SAIR.
ALFREDO SURGE NA PENUMBRA. LUZ TOTAL. MARTA VÊ ALFREDO E TENTA CONTER SUA
EUFORIA.
MARTA - Estava
aí parado há muito tempo?
ALFREDO - Não.
Acabei de chegar.
MARTA - Precisava
mesmo falar com você.
ALFREDO - Pela
sua felicidade parece ser coisa boa.
MARTA - Pobre
Alfredo!
ALFREDO - O
que foi?
MARTA - Acabou a
vida boa.
ALFREDO - O que quer
dizer com isso?
MARTA - Quero
que junte suas tralhas e vá embora daqui o mais rápido possível.
ALFREDO - Não
estou entendendo.
MARTA - Vai
entender. (PEGA O PAPEL COM O ENDEREÇO) Está vendo isso?
ALFREDO - Sim.
MARTA - Sabe
o que significa?
ALFREDO - É um
papel.
MARTA - Isto aqui é
o meu passaporte para a felicidade.
ALFREDO - Como
assim?
MARTA - É o
endereço.
ALFREDO - Que
endereço?
MARTA - O endereço
dele. (PAUSA) Sinto muito, Alfredo. Não posso fazer nada. Foi o autor quem
decidiu assim. Você, tal como a Dolores Fátima, vai ficar a ver navios.
(SAINDO) Não esteja aqui quando eu voltar com o meu amor. (SAI)
ALFREDO - (FICA
PARADO SEM NADA ENTENDER. LUZ APAGA.)
CENA VII
ALFREDO ESTÁ PARADO NO MESMO LUGAR DA CENA ANTERIOR, MAS COM UMA MALA DO
LADO.
MARTA - (ENTRA. ESTÁ
VISIVELMENTE ABALADA. COLOCA A BOLSA SOBRE A MESA)
ALFREDO - Foi lá?
Falou com ele? Que tal? O grande amor desabrochou vinte anos depois? (PAUSA)
Não precisa responder. Já estou indo embora. Pena que eu não tenha conseguido.
Ele venceu! O fantasma venceu. Não vai pelo menos me dizer adeus?
MARTA - (IMÓVEL) Fui
lá no endereço.
ALFREDO - Não
precisa dar explicação.
MARTA - Ele não se
lembra de mim. Disse que nunca me viu e que eu devia estar enganada. (AFLITA)
Tenho certeza que era ele, todo metido naquele terno e gravata. Tão alinhado,
bonitão... Não mudou nada. Era ele. É verdade que estou velha e acabada, afinal
o tempo me castigou tanto. Não sou mais tão jovem. Minhas pernas não são mais
as mesmas. (OLHA AS PERNAS COM TERNURA) Ele gostava tanto.
ALFREDO - Quem sabe
você não se enganou no endereço? Isso acontece.
MARTA - Era ele
mesmo. Não tenho dúvida. Ele me disse que nunca viu antes. (PAUSA) Eu o amei
tanto. Esperei por esse momento toda a minha vida e agora tudo acabou.
(NOVAMENTE DESCONTROLADA) Ele não tinha esse direito. Ele prometeu que voltava.
ALFREDO - Você disse
o seu nome?
MARTA - Um amor tão
grande dispensa apresentação. Se ele ainda me amasse, me reconheceria velha e
feia como estou.
ALFREDO - Posso
fazer alguma coisa para te ajudar?
MARTA - Ninguém pode
fazer nada por mim. Não existe remédio para a dor que estou sentindo.
(DRAMÁTICA) Humilhada e abandonada pelo homem ao qual dediquei toda a minha
vida.
ALFREDO - Agora você
vai ver tudo com mais clareza. Vai ver que eu estive do seu lado todos esses
anos e estou agora para o que der e vier.
MARTA - Não,
Alfredo. Não tenho o direito de continuar fazendo sua infelicidade como fiz até
agora. Vai embora. Vai viver sua vida noutro canto. Tente recuperar o tempo
perdido ao lado de uma mulher que o ame e possa te dar uma família de verdade.
ALFREDO - Quero
ficar com você. A gente ainda pode ser feliz. Basta você esquecer o passado,
passar a vida a limpo. (ANIMADO) Vamos começar de novo.
MARTA - Vai embora,
Alfredo. Você não merece viver infeliz a vida inteira. Agora é tarde para
se tentar qualquer coisa. O tempo passou e levou com ele a minha juventude, a
minha beleza, o amor, os sonhos. (PAUSA) Você nunca vai conseguir me fazer
feliz. Um homem como você; um pobre balconista de armarinho. Quero um homem
rico que possa me dar tudo o que eu quiser; viagens, casacos, joias... Um homem
que me tire dessa vida desgraçada. Cansei de ser a Dolores Fátima dessa
história. Agora quero ser a Gina Germano. Mulher bonita e rica que acredita que
sempre pode ir além.
ALFREDO - Ainda vou
ter muito dinheiro para tirar você dessa vida. Acredita em mim. Um dia entro
por esta porta, cheio da grana. Aí nós vamos viver feito os personagens dessas
novelas de bacana que você gosta de assistir.
MARTA - Você é um
sonhador.
ALFREDO - Um
sonhador capaz de qualquer coisa para te fazer feliz.
MARTA - Vai embora.
ALFREDO - E você?
Como é que vai viver daqui pra frente?
MARTA - Não sei. O
autor é quem sabe. Só ele sabe o meu destino, qual será o meu final.
ALFREDO - Não quer
mesmo que eu fique?
MARTA –
(CONFIDENCIAL) Ainda resta uma esperança. Quem sabe o autor está reservando uma
surpresa? Ele ainda pode ser complacente comigo. (FORA DE SI) Decepcionada,
Marta viaja para esquecer o seu grande amor e acaba encontrando...
ALFREDO - Para com
isso, Marta. Parece uma louca falando assim. Esse autor não existe.
MARTA –
(BENZENDO-SE) Não diga uma heresia dessas, Alfredo! O autor existe e eu
acredito nele.
ALFREDO - Está
ficando louca de vez. Agora vejo que os vizinhos sempre tiveram razão. Você é
mesmo louca. Uma louca que parou no tempo. No fundo ainda é aquela Marilyn
Monroe de vinte anos atrás. (IMPLORANDO) Deixa eu cuidar de você.
MARTA - Quero ficar
com os fantasmas que me acompanharam por todos esses anos. Só eles me entendem.
(PAUSA) Você acha que sou louca? Pois me deixe aqui com a minha loucura.
Vai embora! (GRITA) Vai embora!
ALFREDO - Está bem.
Eu vou embora. Quem sabe um dia eu volto e resgato você desse naufrágio.
(SAINDO) Cuidado, Marta! Marilyn Monroe nunca existiu e James Dean é um
executivo muito bem sucedido. (SAI)
MARTA - Marilyn
Monroe ainda vive, é doceira e mora na Rocinha. (PAUSA. GINA GERMANO E
MÁRIO SANTANA ENTRAM.) O que vocês estão fazendo aqui?
GINA GERMANO -
Viemos assistir de perto o seu trágico final.
MARTA - O quê?
GINA GERMANO - Uma
tragédia espera por você na última cena.
MARTA -
(DESCONTROLADA) Traidora! Eu acreditei em você. Sabia de tudo e ainda assim me
mandou lá. Bandida! (PARA MÁRIO SANTANA) Não confie nesta mulher. Ela é uma
traidora. (PARA GINA) Aliás, chegou a hora do nosso acerto de contas. Agora o
Mário vai saber quem é você. Vamos lá. Não vai fazer nada para me
impedir?
GINA GERMANO - Nada
mais tem importância.
MARTA - Como assim?
Não importa que eu conte para o Mário sobre seus crimes, seu passado?
GINA GERMANO - O
Mário sabe de tudo. Não é, querido?
MÁRIO SANTANA - Seu
passado em nada atrapalha o nosso amor. Afinal, quem não tem um passado?
MARTA - Quer dizer
que o autor te perdoou?
GINA GERMANO - Não.
(PAUSA) Quem me perdoou foi você.
MARTA - Eu?
GINA GERMANO - Não
se esqueça que o autor faz o que público pede. E você pediu pela minha
absolvição. Agora viverei feliz para sempre ao lado do homem que amo.
MARTA - E a Dolores
Fátima?
GINA GERMANO - O que
tem ela?
MARTA - Que final
ela teve?
GINA GERMANO - Deve
estar a bordo de algum navio rumo ao Caribe para encontrar o Mário.
MARTA - Mas isso é
um castigo.
GINA GERMANO - Foi
você quem quis assim, querida. Na ficção, como você disse, as coisas acontecem
mais rápido.
MARTA - (RACIOCINANDO) Então eu
fui a responsável pela infelicidade da Dolores Fátima?
GINA GERMANO - Você
é a responsável pela sua infelicidade.
MARTA - Como assim?
GINA GERMANO - Você é
Dolores Fátima.
MARTA - (CONFUSA) Não.
Eu sou Marta Gouveia.
GINA GERMANO - Marta
Gouveia e Dolores Fátima são a mesma pessoa.
MARTA - Isso é uma
loucura. Só falta você dizer que não é Gina Germano?
GINA GERMANO - E não
sou. Meu nome é Carmem.
MARTA - Carmem!?
GINA GERMANO - Sou
sua irmãzinha, a Carmem. E o Mário Santana é na verdade ninguém menos que Pedro
Arnaldo Peixoto. Mais conhecido como Peixoto. Doutor Peixoto.
MARTA - Não é
verdade! Vocês só vieram aqui para zombar de mim. (PENSATIVA) Então o Mário
Santana é o Pedro...
GINA GERMANO - Sim.
E você sabia disso.
MARTA - Você roubou
o homem que eu amo. (PARA MÁRIO) Ela tirou você de mim. Minha irmã, minha
própria irmã. Pedro Arnaldo, você prometeu voltar para mim. Eu esperei todos
esses anos.
MÁRIO SANTANA - Eu
nunca te prometi nada.
MARTA - Você disse
que voltava e que eu podia esperar. Nunca fui de nenhum outro homem. Esse tempo
todo esperei sua volta. Não pode me desprezar assim.
MÁRIO SANTANA - Você
é louca. Nosso caso nunca passou de um flerte sem importância.
MARTA - Flerte sem
importância? Você chama um amor tão grande, tão bonito, de flerte? (VAI ATÉ O
ARMÁRIO E PEGA A CABELEIRA LOURA) Eu sei por que você não está me reconhecendo.
(COLOCA A CABELEIRA) Veja. Não se lembra de nada? Sua Marilyn Monroe.
MÁRIO SANTANA - (PERTURBADO)
Para com isso.
MARTA - Você gostava
tanto, meu James Dean!
GINA GERMANO - Não
adianta apelar, Marta.
MARTA - (PARA MÁRIO)
Diz agora que não lembra e que foi apenas um flerte?
MÁRIO SANTANA - Para
mim você nunca passou de uma garota fácil, daquelas que todos querem para
amante. Nunca para esposa.
MARTA - Você não
está sendo sincero. Está envenenado por esta daí. (PAUSA) E nossa filha? Nega
que Maria seja sua filha?
MÁRIO SANTANA – Não
nego. Eu sou o pai dela. E Carmem é a mãe.
MARTA -
Mentira! A Maria é minha filha.
MÁRIO SANTANA – Mas
você a entregou para Carmem criar quando ela nasceu.
MARTA - Não.
Quem fez isso foi a Gina Germano.
GINA GERMANO - Gina
Germano, Mário Santana, Dolores Fátima, nada disso existe. Você inventou tudo
isso porque não suporta a realidade.
MARTA - Não pode
ser. (MARTA COMEÇA A SE DEBATER COMO LOUCA. MÁRIO SANTANA E GINA GERMANO DÃO
GARGALHADAS, DEPOIS SAEM. MARTA DEITA NO CHÃO ENCOLHIDA. LUZ APAGA. MARTA
ANDA NO ESCURO.) Quem apagou a luz? Está muito escuro aqui. Ai, meu Deus! Será
que eles esqueceram de mim como quem esquece um brinquedo velho dentro de um
baú no porão de uma casa mal assombrada? Não pode ser. Tenho medo de escuro.
(GRITA) Alguém aí acende a luz, por favor. O autor não pode fazer isso comigo.
Não mereço esse final. Não sou a vilã da história. Sou Marta Gouveia, quarenta
e cinco anos, favelada, doceira...Tenho direito ao final feliz. (COMO SE
COMANDASSE UM ESPETÁCULO) Luz aqui. O show ainda não terminou. Onde está o
iluminador? Um foco de luz aqui. Não, mais para cá. Aí, assim. Assim está bom.
(VOLTA A LUZ. ENTRA ALFREDO, TRAZ UMA MALA 007) Alfredo, você voltou? Então
quer dizer que o autor atendeu o meu pedido e eu vou ter um final feliz?
ALFREDO - O quê?
MARTA - Você ainda
não entendeu, Alfredo? Fomos reunidos na última cena. Isso significa que agora
vai ser tudo diferente entre nós.
ALFREDO - Você me
aceita de volta?
MARTA - Sim, meu
amor. Como eu estava cega em não perceber que a felicidade sempre esteve do meu
lado. Eu te amo, Alfredo!
ALFREDO - Que
bom, Marta! Que bom que você esteja curada. Isso era tudo o que eu queria
ouvir na vida. Eu também te amo. (PAUSA. ABRE A MALA E MOSTRA PARA MARTA) Está
vendo isso? É tudo para nós dois.
MARTA - Onde
conseguiu esse dinheiro?
ALFREDO - Acertei as
contas com o turco. O safado teve que me pagar até o último tostão.
MARTA - (PARA A
PLATEIA) Veja como o autor foi bonzinho comigo. Termino rica e feliz. Não podia
esperar final melhor.
ALFREDO - Vamos
correr o mundo juntos. Já comprei as passagens. Nosso voo sai às dez.
MARTA - Ah, prefiro
viajar de navio! É muito mais romântico. A brisa do mar tocando os meus
cabelos. O sol, a lua...
ALFREDO - Está bem.
Então vamos num cruzeiro pelo mundo.
MARTA - Só nós dois?
ALFREDO - Só nós
dois. (BEIJAM-SE ROMANTICAMENTE. ENTRA MÚSICA. MARTA E3 ALFREDO DANÇAM. PAUSA. OUVEM-SE BARULHO DE
SIRENE. OS DOIS CONTINUAM DANÇANDO. O BARULHO DA SIRENE AUMENTA CADA VEZ MAIS.
MARTA E ALFREDO DANÇAM. PARA O BARULHO DA SIRENE. OUVEM-SE ESTAMPIDOS DE TIROS.
A MÚSICA PARA. ALFREDO DEIXA MARTA, PEGA
A MALA E A PROTEGE. MARTA CONTINUA A DANÇAR SEM NADA PERCEBER. PARECE
EMBRIAGADA DE FELICIDADE.)
POLICIAL - (FORA)
Vamos lá, camarada. Sabemos que está aí dentro. É melhor se entregar senão
seremos obrigados a invadir o barraco. Saia com as mãos para cima.
MARTA - Vem dançar,
Alfredo.
ALFREDO - Vocês não
vão colocar as mãos em cima de mim. Esse dinheiro é meu. Trabalhei a vida
inteira para conseguir. (PARA MARTA) Tenho que fugir, meu amor. Espera que eu
volto. É só o tempo de me esquecerem. Aí eu volto pra gente continuar nossa dança
da felicidade. Adeus, meu amor! (SAI COM A MALA. OUVEM-SE TIROS, GRITOS E
VOZES. MUITAS VOZES, GRITOS. PAUSA. NOVAMENTE OUVEM-SE O BARULHO DA SIRENE,
PRIMEIRO ALTO DEPOIS MAIS BAIXO ATÉ DESAPARECER.)
MARTA - (CONTINUA
DANÇANDO SEM MÚSICA, ALHEIA A TUDO.) Estarei sempre à sua espera, meu
amor! (NOVAMENTE ENTRA A VOZ DO LOCUTOR DA TV.)
LOCUTOR - E assim
termina LEÃO FERIDO, a sua novela preferida. E não perca, na próxima semana, a
estreia de “OS SONHOS DE TODOS NÓS”, pela Tv Aimoré. Uma novela onde os personagens
são pessoas como você: eles lutam, amam, sofrem e são capazes de tudo para ver
seus sonhos realizados. Não perca. Estreia nesta segunda... (VOZ DO LOCUTOR VAI
SUMINDO À MEDIDA QUE A LUZ VAI APAGANDO.)
FIM
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