Eu sei que tem muito marmanjo por aí que vira a cara quando o assunto é novela. Pelo contrário, eu sempre fui noveleiro. Confesso que tenho lá minhas fumaças de autor de novela. Mas esse não é o caso agora. O fato é que estou assistinto à reprise da novela Vale Tudo, em cartaz no canal Viva, à 0:30 e às 12:00, respectivamente. Para quem não sabe, se trata de uma novela escrita por Gilberto Braga e Aguinaldo Silva e apresentada pela Rede Globo por volta de 1988/1989, às 20:30, no tempo em que a novela das oito começava às 20:30.
Poderia ser mais uma reprise de novela antiga para matar as saudades dos fãs de plantão, não fosse a novela um típico exemplo da forma como se vivia nos anos oitenta do século passado. Vale Tudo tem em seu pior e seu melhor o fato de que mostra, sem meias palavras, exatamente a forma de viver daqueles anos. Seja na moda (para os olhares de hoje, nada mais cafona), seja forma assumidamente metida de falar dos personagens (principalmente os ricos com sua eterna mania de ficar o tempo todo desfazendo da vida no Brasil em comparação com a vida em outros países, sobretudo da Europa), na falta de esperança que o brasileiro encarava a vida e o futuro no pais (todo mundo queria a mesmo era ir viver fora do país e os Estados Unidos era a melhor pedida) ou na falta de fé nos políticos (sobretudo nos planos econômicos que só faziam deixar o povo mais perdido e mais pobre).
Ver tudo isso hoje, para quem viveu aqueles anos, parece que estamos assistindo à pura ficção. Não é verdade. Se Vale Tudo tem algum mérito. esse mérito é o de retratar o Brasil de então de maneira muito real e eu diria até mesmo de maneira muito cruel. As imagens das pessoas nas ruas, o abandono da cidade do Rio de Janeiro, o caos do transito, só servem para confirmar que vivíamos um tempo onde tudo parecia não ter rumo. Não havia, principalmente pela via política, esperanças de dias melhores. O pior de tudo é que os dias de Fernando Collor de Mello com seu confisco da poupança ainda nem tinham chegado. Dá para acreditar?
É claro que toda essa visão pessimista do país passa pelo crivo do principal autor da novela: Gilberto Braga. Gilberto Braga é conhecido por escrever novelas onde os ricos têm mais voz que os pobres. É preciso dar esse desconto. Porém, não se pode negar que ele tenha sido bastante feliz quando resolveu escrever uma história onde os personagens faziam qualquer coisa para subir na vida para viver ao lado dos privilegiados ricos. Ao mostrar um Rio de Janeiro (microcosmo do Brasil) como uma Havana sem futuro onde só os ricos tem vez, onde só os ricos são felizes, o autor não peca muito. Ainda não tínhamos nos livrado (pelo menos espiritualmente falando) dos anos de ditadura, da cultura da opressão, da inflação comendo os salários, do medo do desemprego, da ideia de que o país não valia a pena e que o último que saísse apagasse a luz.
Graças a Deus, algo de bom aconteceu. Hoje o país não é nenhuma maravilha, mas aqueles anos ficaram para traz. Não sei de definitivamente ou não. Torço para que sim, que o Brasil tenha encontrado o seu rumo e que não voltemos a viver dias como os que vivemos no final dos anos oitenta e início dos anos noventa. Por isso, vale a pena ver de novo a novela Vale Tudo. Para os que viram ver de novo e matar a "saudade" (se é que seja possível sentir saudades daqueles anos) e para quem não viu para saber como a vida nesse a país já foi bem pior. Fora isso, tem os modismos: o começo da era dos CDs, a falta que fazia o celular, a internet...