Ontem, 18/12/08, estive numa unidade da Fundação Leão XIII, na avenida dos Democráticos, a convite da assistente social Isabel, para apresentar uma peça de teatro para os internos, como parte das comemorações do natal. Eu já sabia que seria uma louca aventura apresentar a peça. Afinal, a peça em questão é o monólogo de minha autoria, O despertador. Embora a peça seja ( ou pretenda ser) uma estória engraçada, o clima pesado da instituição, a situação deprimente em que a maioria se encontra, aquele ar de coisa abandonada que têm as instiuições do governo ( será que sou eu penso assim?), misturado com minha própria condição de estar voltando ( embora não fosse a primeira vez) para apresentar num local parecido com o que estive um dia e quase (creio que já falei sobre isso aqui), tudo contribuiu para que eu voltasse de lá um pouco deprimido. Deprimido e triste. Infelizmente, desde o tempo em que passei pela Fundação Leão XIII no início dos anos noventa até hoje nada mudou. Nem os móveis mudaram. Está tudo igual. E o que para mim é pior: os funcionários continuam os mesmos. Alguns são literalmente os mesmos. As assistentes sociais agem da mesma forma que eu as vi agirem no tempo em que passei por lá: apenas repetem velhos chavões e tratam os assistidos como se fossem dementes. Em muitos casos eles são mesmo demente, disso não há dúvida. O que me deixa perplexo (ainda) é o quão pouco a instituição pode fazer por aqueles que se encontram numa verdadeira condição de perda de identidade. São, na sua maioria, drogados, alcoolatras, dementes, desmemoriados, pequenos marginais, desempregados, sem teto, sem família (talvez essa seja a maior causa do total desamparo em que muitos se encontram) e sobretudo, pessoas sem rumo, sem norte, sem futuro ou um simples amanhã. Voltei para casa, eu e Silvia, minha colega da Sopa que me acompanhou nessa aventura, bastante abalado. Quando Isabel me convidou para participar da festa de natal acho que, na minha empolgação, me esqueci do lugar triste que era a Leão XIII. dificil acreditar tantos anos depois ( quase vinte) que eu vivi a mesma situação. Hoje posso me sentir como privilegiado, alguém que, desculpem o meu exagero, esteve no inferno e voltou. Alguém que esteve ( como já disse no meu livro, No olho da rua), a beira de perder a identidade, mas que teve a sorte de encontrar uma saída. E é esse o ponto que mais me preocupa. Apesar de não negar que foi de grande estima a ajuda que recebi da Fundação Leão XIII, sou honesto em afirmar que se eu recuperei( esse é um assunto que daria um livro) o meu lugar na sociedade foi, acima de qualquer coisa, porque eu tinha um certo preparo. Além de ter o segundo grau completo (Técnico em Contabilidade) e já havia me ingressado numa faculdade ( Letras), curso que abandonei pelo meio e retomei vinte anos depois (assunto para outro dia), ou seja, eu não era nenhum analfabeto ou semianalfabeto. A realidade é bem outra. A maioria dos assistidos (creio) são de semianalfabetos e que não têm facilidade para encontrar uma colocação no mercado por esse e por muitos outros motivos. Por isso, acho que já era hora da Fundação Leão XIII rever o seu papel ou então será sempre uma instituição de cata-mendigos e nada mais do que isso.
P.S. - Quando eu e Silvia estávamos sentados esperando que os internos entrassem no refeitório onde aconteceria a confraternização, um dos últimos da fila se aproximou de nós e falou algo como que tudo aquilo que estávamos vendo era tudo fachada, dia de festa:
- Estão vendo essas cadeiras limpas? Acham que é sempre assim? Que nada! Durante o ano é tudo sujo. Só limparam para a festa.
Eu e Silvia ouvimos calados. Silvia que já estava um tanto assustada com a situação, me olhou sem nada dizer. Da minha parte, tive a sensação que já tinha visto aquele filme.