ROTEIRO
Curta metragem
BENDITA INVEJA
De
Julio Fernando e José Antônio Cláudio (Cazuzo)
1 – EXTERNA/DIA – VISÃO PANORÃMICA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
A CÂMERA FAZ UM GRIO PELA CIDADE MOSTRANDO SEUS HABIATANTES, RUAS, BAIRROS E PONTOS TURISTICOS: PÃO DE AÇUCAR, CORCOVADO, PRAIA DE COPACABANA, CRISTO REDENTOR, MARACANÃ, ETC.
CORTA PARA:
2 – EXTERNA/DIA – LETREIRO DA OFICINA
CÂMERA MOSTRA O LETREIRO, ONDE SE LÊ:
“OFICINA SANTA LEOCÁDIA”
“CONSERTAMOS AR CONDIDIONADOS, GELADEIRAS, FREEZERS E REFRIGERADORES EM GERAL”
CORTA PARA:
3 – INTERNA/DIA – ESCRITÓRIO DA OFICINA.
É UM ESCRITÓRIO SIMPLES E UM TANTO IMPROVISADO..
NESTOR, O DONO DA OFICINA, ESTÁ SENTADO EM SUA MESA TRABALHANDO. PAULO, SEU FUNCIONÁRIO, ENTRA:
PAULO
Chamou, patrão?
NESTOR
Sim. Senta aí, senhor Paulo.
PAULO SENTA, MEIO ACANHADO.
NESTOR
Eu tenho uma proposta a te fazer.
PAULO FICA APREENSIVO. NESTOR LEVANTA-SE E COMEÇA A ANDAR DANDO VOLTAS.
.
NESTOR
Tenho notado que o senhor é um bom funcionário e estou pensando em te promover. (TEMPO) Só que para isso, o senhor não poderá mais faltar ou chegar atrasado. O senhor tem o hábito de chegar atrasado quase todos os dias e isso não é bom para um chefe, não acha?
PAULO
Sim, senhor Nestor. Pode confiar em mim. A partir de hoje serei o primeiro a chegar e o último a sair. O senhor não vai se decepcionar comigo. Obrigado pela oportunidade.
PAULO LEVANTA-SE PARA SAIR.
NESTOR
Que fique bem claro, senhor Paulo: se chegar atrasado ou faltar mais uma vez que seja, eu passo a promoção para o seu colega, o senhor José Roberto. Estamos conversados?
PAULO
Sim, senhor.
CORTA PARA:
4 – INTERNA/DIA SALÃO DA OFICINA.
É UMA OFICINA DE CONSERTOS DE AR CONDICIONADOS, GELADEIRAS E COISAS DO GÊNERO. PORTANTO, TEM AQUELE JEITO MEIO BAGUNÇADO QUE TEM ESSES LUGARES.
PAULO SAI TODO EUFÓRICO DA SALA DO PATRÃO E ENCONTRA ZÉ ROBERTO, SEU COLEGA.
ZÉ ROBERTO
Que felicidade é essa, Paulo. Ganhou aumento do patrão?
PAULO
Melhor do que isso, Zé Roberto. Ele vai me subir de posto. Vou virar chefe.
ZÉ ROBERTO
(INVEJOSO)
O que? Você vai ser o chefe de todo mundo?
PAULO
Isso mesmo. (TOM) Só que tem um porém... Acabou a minha mamata. Não posso mais faltar ou chegar atrasado do jeito que tenho feito. Para ser chefe tenho que chegar na hora, pontualmente.
ZÉ ROBERTO
Taí algo difícil de você conseguir, meu amigo. Do jeito que você é dorminhoco.
PAULO
Pode deixar comigo. A partir de agora vou ser o primeiro a chegar. Você vai ver só. Chefe tem que dar exemplo.
PAULO SAI E ZÉ ROBERTO ACOMPANHA SUA SAIDA COM OS OLHOS.
ZÉ ROBERTO
Era só o que faltava. Esse filho da mãe vai virar chefe. (TOM) Só passando por cima do meu cadáver. Esse lugar é meu. (PENSATIVO) Tenho que arrumar um jeito de acabar com a alegria desse mané. (TEMPO) Já sei o que vou fazer..
CORTA PARA:
5 – INTERNA/ DIA – OFICINA – BALCÃO DE TRABALHO
HORÁRIO DE TRABALHO. VÁRIOS FUNCIONÁRIOS ESTÃO PRESENTES TRABALHANDO EM SUAS BANQUETAS. OUVEM-SE BARULHO DE MAÇARICOS E OUTRAS FERRAMENTAS.
PAULO ESTÁ CONSERTANDO UM AR CONDICIONADO: ZÉ ROBERTO SE APROXIMA E FICA OLHANDO PARA ELE. PAULO PARA E O ENCARA.
PAULO
O que foi, Zé Roberto? Não tem nada melhor pra fazer?
ZÉ ROBERTO
É que eu queria tirar a má impressão.
PAULO
Do que você ta falando, homem?
ZÉ ROBERTO
Pô , Paulo. A gente trabalha junto há muito tempo. É amigo. Tô feliz pela sua promoção. Você merece.
PAULO
Pensei que você tinha ficado cismado.
ZÉ ROBERTO
Que nada. O mérito é seu. (TEMPO) Será que o novo chefe pode tirar uma foto comigo? Pra guardar de lembrança.
PAULO
Por que não?
ZÉ ROBERTO CHAMA UM COLEGA QUE ESTÁ POR ALÍ E PEDE PARA ELE TIRAR UMA FOTO COM O SEU CELULAR, SE AJEITA AO LADO DE PAULO E A FOTO É TIRADA. FEITO ISSO O COLEGA DEVOLVE O TEJEFONE E SE AFASTA. PAULO VOLTA AO SEU TRABALHO. ZÉ ROBERTO FICA EXAMINANDO A FOTO NO CELULAR, COM GRANDE INTERESSE.
CORTA PARA.
6 – INTERNA/NOITE – CASA DE PAULO. SALA.
ELE ENTRA TODO FELIZ. SUA MULHER ESTÁ TERMINANDO O JANTAR.
PAULO
(EUFÓRICO)
Marilda, você não sabe o que aconteceu?
MARILDA
Não vai me dizer que perdeu o emprego?
PAULO
Vira essa boca pra lá. (TEMPO) Onde estão as crianças?
MARILDA
O Fabinho e a Lucinha estão brincando na casa da vizinha.
PAULO
Queria dar a notícia pra elas também. (TEMPO) Você está falando com o mais novo chefe da oficina. Agora, depois do seu Nestor, quem manda sou eu;
.
MARILDA
Que bom, Paulo.
PAULO
Isso significa aumento de salário, mais dinheiro entrando aqui em casa. A gente pode até pensar em se mudar para uma casa maior, comprar uma televisão nova...
MARILDA
Minha geladeira tá pedindo outra faz tempo.
PAULO
E um futuro melhor para os nossos filhos. (TOM) É melhor não sonhar muito. Para que isso aconteça, eu não posso mais faltar ou chegar atrasado nem mais uma vez. E morando nessa distância.
MARILDA
E dorminhoco do jeito que você é...
OS DOIS COMEÇAM A RIR, DIVERTINDO-SE COM A SITUAÇÃO.
PAULO
Mas eu vou conseguir. (BRINCANDO) Se eu não acordar de manhã você me joga da cama no chão, me molha com um balde de água fria, faz qualquer coisa.
MARILDA
Pode deixar comigo.
CORTA PARA:
7 – INTERNA/DIA – CASA DE PAULO QUARTO.
OUTRO DIA PELA MANHÃ.
MARILDA ENTRA COM UM BALDE DE ÁGUA E SE ASSUSTA AO VER PAULO DE PÉ E ARRUMADO.
MARILDA
O que é isso? Já tá de pé?
PAULO
Pode guardar o balde de água. Por uma promoção no trabalho, sou capaz até de acordar cedo.
MARILDA
Estou admirada. Nunca te vi tão animado.
CORTA PARA:
8 – INTERNA/DIA. CASA DE PAULO. SALA.
PAULO ESTÁ NA PORTA. PARA SAIR. MARILDA ESTÁ AO SEU LADO.
PAULO
Já vou, Marilda.
MARILDA
Deus te proteja.
PAULO
Tchau.
PAULO SAI. MARILDA PERMANECE À PORTA.
MARILDA
Tchau. Que bom ver o Paulo todo animado. (TOM) Já estava mesmo na hora das coisas melhorarem pra gente. (TEMPO) Ih, não posso me esquecer de acordar as crianças. Tá quase na hora da escola.
FECHA A PORTA E SAI
CORTA PARA:
9 – EXTERNA/DIA – UMA RUA QUALQUER DO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.
PAULO CAMINHA. ESTÁ BASTANTE ANIMADO, CHEIO DE CONFIANÇA.
SURGE UMA LINDA MULHER VINDO NA DIREÇÃO DELE, “É UMA MULHER DAQUELAS DOS ANÚNCIOS DE SHAMPOO QUE PASSAM NA TELEVISÃO, COISA DE PARAR O TRÂNSITO MESMO”. OS DOIS SE ENCONTRAM E ELA OLHA PARA ELE DE FORMA SENSUAL. PAULO TENTA CONTINUAR CAMINHANDO, MAS SE SENTE ATRAÍDO. PARA, OLHA PARA TRÁS E PERCEBE QUE A MULHER TAMBÉM ESTÁ PARADA OLHANDO PARA ELE. OS DOIS FICAM UM TEMPO PARADOS. PAULO NÃO SABE O QUE FAZER. A MULHER TOMA A INICIATIVA E CAMINHA EM SUA DIREÇÃO.
MULHER
Desculpe... Eu não te conheço?
PAULO
Não sei... Pode ser.
MULHER
Tenho a impressão de que... (TEMPO) Deve ser engano. (FINGINDO-SE ENVERGONHADA) Nossa! Isso nunca me aconteceu antes.
PAULO
O quê?
MULHER
É que nunca falo com estranhos, mas o... Acho que posso te chamar de você, não posso?
PAULO
Claro. Uma moça tão bonita.
OS DOIS FICAM UM TEMPO SEM AÇÃO. UM OLHANDO PARA O OUTRO. TÍMIDOS, PORÉM CHEIOS DE MÁS INTENÇÕES.
MULHER
Será que não tem um lugar pra gente conversar melhor? Seu rosto me é muito familiar.
PAULO
O problema é que eu tô indo pro meu trabalho. Não posso...
MULHER
(SEDUTORA)
Um minutinho só.
PAULO
(TODO DERRETIDO)
Só um minutinho? (TEMPO) Eu acho que dá. O que é um minutinho perto de uma vida
inteira, não é?
CORTA PARA:
10 – EXTERNA/DIA – PROXIMIDADES DOS ARCOS DA LAPA NO CENTRO DA CIDADE.
PAULO E A MULHER ESTÃO SENTADOS NUM DESSES PONTOS ONDE CAMELÔS VENDEM CERVEJA.
PAULO
A senhora, isto é, a senhorita quer tomar alguma coisa?
A MULHER COMEÇA A RIR, COMO SE TIVESSE MUITO ENVERGONHADA.
PAULO
O que foi?
MULHER
Tenho vergonha de dizer.
PAULO
Pode falar o que quiser. Sou um cara aberto. Acho que somos amigos, não? Apesar da gente ter acabado se conhecer.
MULHER
(TEMPO) É que eu estou com vontade de tomar uma cerveja. Veja só! À uma hora dessas...
PAULO
Qual o problema?
MULHER
É que não sei tomar cerveja sozinha. Aceitaria me acompanhar??
PAULO
Não dá. Tenho que trabalhar..
MULHER
Ah, seu bobo. Uma cervejinha só.
PAULO
Só uma?
A MULHER CONCORDA COM A CABEÇA, CHEIA DE MALÍCIA, E PAULO PEDE A CERVEJA. A CERVEJA É SERVIDA E OS DOIS BRINDAM.
CORTA PARA:
11 – EXTERNA/DIA
MESMA SITUAÇÃO DA CENA 9. PAULO E A MULHER BONITA ESTÃO TOMANDO CERVEJA. NOTA-SE QUE HÁ ALGUMAS GARRAFAS VAZIAS SOBRE A MESA. PAULO DEMONSTRA ESTAR UM POUCO ALTO. A MULHER PERMANECE SÓBRIA, POIS ELA APENAS FINGE QUE BEBE , JOGANDO SUA CERVEJA NA CALÇADA.
MULHER
Vamos pedir mais uma?
PAULO
Quantas você quiser, meu amor.
O GARÇOM TRAZ MAIS UMA. PAULO SERVE-SE E SERVE A MULHER, ELA DISFARÇA E JOGA O LÍQUIDO FORA.
MULHER
Essa cerveja está maravilhosa. Nunca tomei uma cerveja tão gostosa. (TOM) Acho que é a companhia.
PAULO
Eu é que nunca tive a sorte de conhecer uma mulher tão, tão linda. (TOM)
E pensar que eu tenho aquela coisa lá em casa.
MULHER
(ABRAÇANDO PAULO)
Queria que eu fosse a sua mulherzinha, é?
PAULO
(BOQUIABERTO)
Ô! (TEMPO) E por falar nisso, a gente podia se conhecer melhor. Se é que a senhorita está entendendo o que eu estou dizendo?
MULHER
(ESQUIVANDO-SE)
Claro!
OUVE-SE A SONOPLASTIA DE UM TELEFONE CELULAR TOCANDO. A MULHER ABRE A BOLSA E PEGA UM TELEFONE. ELA SAI PARA ATENDER E VOLTA.
MULHER
Infelizmente, vou ter que ir.
PAULO
Logo agora? Você vai me deixar na mão, gatinha?
MULHER
Sinto muito, querido. Quem sabe um dia a gente se encontra por aí.
A MULHER SAI.
PAULO
Não faz isso comigo, amorzinho.
PAULO TENTA LEVANTAR-SE PARA IR ATRÁS DA MULHER, MAS PERCEBE QUE ESTÁ UM POUCO ALTERADO E VOLTA A SE SENTAR.
PAULO
Ai, meu Deus? O que foi que fiz? Me deixei levar por essa ... (REAÇAO) E o meu trabalho, a promoção, o seu Nestor? (TEMPO) Não pode ser. Deixei escapar a melhor chance da minha vida. Tô perdido. Do jeito que eu tô nem adianta aparecer lá na firma. Corro o risco de levar um a justa causa. E agora? O que é que eu faço?
CORTA PARA:
12 – EXTERNA/DIA – RUA DE UM BAIRRO POBRE DO SUBURBIO.
PAULO CAMINHA DESOLADO E DE CABEÇA BAIXA. PARECE QUE ESTÁ CARREGANDO O MUNDO NAS COSTAS. CHEGA MESMO A ESTAR TRISTE.
APROXIMA-SE DE UMA CASA SIMPLES COM PORTÃO NA FRENTE E ENTRA.
CORTA PARA:
13 – INTERNA/DIA – CASA DE PAULO. SALA.
CASA COMUM DE CLASSE MÉDIA BAIXA.
PAULO ESTÁ SENTADO, PENSATIVO. A PORTA SE ABRE E MARILDA ENTRA. ELA SE ASSUSTA AO VER PAULO.
MARILDA
O que você tá fazendo aqui, Paulo?
PAULO
O sonho acabou, Marilda. (TEMPO) Por causa de uma mulher, eu perdi a melhor chance da minha vida.
MARILDA
O quê? Explica isso direito.
PAULO
Seu marido é um imbecil. (TEMPO) Tava tudo indo bem. Eu já tava quase
chegando no trabalho, quando de repente...
CORTA PARA:
14 – INSERT DA IMAGEM DA CENA 9 – MULHER VINDO NA DIREÇÃO DE PAULO.
CORTA PARA:
15 – CONTINUAÇÃO DA SITUAÇÃO DA CENA 13
MARILDA ESTÁ DIANTE DE PAULO, INQUISIDORA.
MARILDA
De repente, o quê?
PAULO
(MENTINDO)
Apareceu uma senhora me pedindo pra ajudar a carregar as suas bolsas de compras. Eu, como tenho bom coração, resolvi ajudar a velhinha. Aí o tempo passou e eu perdi a hora. Por isso, acabei voltando pra casa.
MARILDA
Olha o marido bom que eu tenho. Tão humano, sensível. Não precisa se preocupar. Ninguém perde nada por fazer uma boa ação. Deus, lá do céu, tá vendo tudo.
PAULO
Você acha?
MARILDA
E depois, se for preciso, eu pego mais umas faxinas. Você sabe que eu não sou de fazer corpo mole.
PAULO
Tá certo.. (TOM) Eu só não quero é que sua família fique dizendo que eu vivo às suas custas.
MARILDA
Deixa de bobagem, Paulo.
CORTA PARA:
16 – INTERNA/DIA – CASA DE PAULO. QUARTO;
PAULO ESTÁ DEITADO, DORMINDO. MARILDA TENTA ACORDÁ-LO.
MARILDA
Acorda, Paulo. Tá na hora. Você não vai trabalhar?
PAULO
(LEVANTANDO)
Acho que não. Sei lá. Tô com vergonha do seu Nestor. Ele vai me mandar embora.
MARILDA
Que nada! Conta pra ele a boa ação que você fez. Ele vai é ficar orgulho do empregado que tem.
PAULO
Será? (TEMPO) É isso aí. Afinal de contas, foi só uma boa ação que fiz.
MARILDA SAI
PAULO
Ela não pode nem sonhar que na verdade eu tava era com uma beleza daquelas, gastando o dinheiro do aluguel. (TOM) Se bem que essa história de velhinha veio a calhar. Pra todos os efeitos, eu tava ajudando uma pobre velhinha.
PAULO PÕE-SE A SE ARRUMAR, ANIMADAMENTE.
CORTA PARA:
17 – EXTERNA/DIA – PORTA DA CASA DE PAULO.
MARILDA ESTÁ NO PORTÃO FALANDO COM UMA VIZINHA. PAULO SAI DE CASA. ARRUMADO PARA O TRABALHO.
PAULO
Bom dia, dona Iracema. (TEMPO) Não vai me desejar boa sorte, Marilda?
MARILDA
Vai dar tudo certo.
PAULO SE DESPEDE DE MARILDA E DA VIZINHA E SAI.
MARILDA
A senhora não imagina o marido que eu tenho, dona Iracema. Colocou o emprego em risco pra ajudar uma velhinha desamparada. Veja que coração bom tem esse homem. Paulo é um marido de ouro.
CORTA PARA:
18 – INTERNA/DIA – SALÃO DA OFICINA ONDE PAULO TRABALHA.
PAULO ENTRA E ENCONTRA COM ZÉ ROBERTO.
ZÉ ROBERTO
Começou bem, hein?
PAULO
Primeiramente: bom dia, Zé Roberto.
ZÉ ROBERTO
Duvido que seu dia vai ser bom.
PAULO
Do que você tá falando?
ZÉ ROBERTO
Ontem não era o seu dia “D”?
PAULO
Que é isso?
ZÉ ROBERTO
“D” de decisivo, otário. Como era mesmo a história? Você ia subir de posto, mas se chegasse atrasado, adeus promoção. Não era isso?
PAULO
Era. (TOM) Só que eu tive um probleminha....
ZÉ ROBERTO
Probleminha, é? (MALICIOSO) Tô sabendo. (TEMPO) Te prepara que o patrão já chegou e quer falar com você. Fique alerta, otário, que a cobra vai fumar.
PAULO
Tá querendo dizer alguma coisa com isso?
ZÉ ROBERTO
Você sabe que eu e o seu Nestor somos unha e carne, né? Não sei onde ele tava com a cabeça quando resolveu te colocar como chefe. (TEMPO) Só pra começar a nossa conversa: sabe quem tomou conta de tudo isso aqui ontem? O papai aqui. Agora, o chefe sou eu, Paulo. Reza pro seu Nestor te mandar embora, senão você vai sofrer na minha mão. Comigo não tem moleza não.
CORTA PARA.
19 – INTERNA/DIA – PORTA DA SALA DE NESTOR
A PORTA ESTÁ FECHADA E DÁ PARA LER:
“DIRETORIA, ENTRE SEM BATER”
PAULO CHEGA E FAZ MENÇÃO DE BATER, MAS DESISTE. ESTÁ MUITO NERVOSO.
PAULO
O que faço, meu Deus? Por causa de um vacilo, vou perder a chance de dar uma vida melhor pra minha família. (TOM) Também, quem manda querer bancar o garanhão. Bem feito! Agora, a saída é enfrentar a fera.
PAULO VOLTA A FAZER MENÇÃO DE BATER E MAIS UMA VEZ DESISTE. FINALMENTE RESOLVE ABRIR A PORTA E ENTRAR.
CORTA PARA:
20 – INTERIOR/DIA – ESCRITÓRIO DA OFICINA
NESTOR ESTÁ SENTADO ENVOLVIDO EM SEU TRABALHO, PAULO ESTÁ PARADO À SUA FRENTE.
PAULO
Gosataria de...
NESTOR
(SEM PARAR O QUE ESTÁ FAZENDO)
Espera um pouco, senhor Paulo.
PAULO
Pois não.
NESTOR
Acho que o dia de ontem não foi muito bom para nós dois.
PAULO
É. Eu tive um probleminha. Uma velhinha, sabe?
NESTOR
U ma velhinha!?
PAULO
Uma velhinha me pediu que ajudasse a carregar umas sacolas, pobrezinha. O problema é que ela morava longe e acabei perdendo a hora. Resolvi nem vir. Afinal, eu tinha dado a minha palavra.
NESTOR
Que bonito!
PAULO
Tô muito envergonhado mesmo.
NESTOR
De fazer uma ação bonita dessas? Ah, se todos fossem assim como o senhor... Os idosos andam muito desamparados em nossa sociedade. Precisamos de gente assim como o senhor.
PAULO
Não diga? Quer dizer que...
NESTOR
Nosso trato permanece de pé.(TEMPO) Para falar a verdade, ontem eu também tive um probleminha. Meu filho mais novo ficou doente. E o senhor sabe como é: trabalho é importante e eu sempre trabalhei muito, comecei de baixo como o senhor, mas a família em primeiro lugar. O garoto já está melhor.
NESTOR LEVANTA E CONVIDA PAULO PARA SAIR DA SALA. PAULO O ACOMPANHA.
NESTOR
Então, o senhor é dado a fazer boas ações...
OS DOIS SAEM DA SALA.
CORTA PARA:
21 – INTERNA/DIA – SALÃO DA OFICINA.
NESTOR E PAULO VÊM CAMINHANDO E SÃO AVISTADOS POR ZÉ ROBERTO HÁ OUTROS FUNCIONÁRIOS TRABALHANDO E A OFICINA ESTÁ FUNCINANDO A TODO VAPOR. ZÉ ROBERTO FICA MUITO DECEPCIONADO AO VER O PATRÃO E PAULO CONVERSANDO DE FORMA TÃO AMIGÁVEL.
ZÉ ROBERTO
O que significa isso?
NESTOR
Algum problema, senhor José Roberto?
ZÉ ROBERTO
( DISFARÇANDO)
Problema, nenhum, doutor Nestor.
NESTOR
O senhor sabe que eu não sou doutor, senhor José Roberto. Sou apenas um homem que deu duro na vida e chegou à condição de patrão. Isso pode acontecer com qualquer um de vocês. (TEMPO) Mas se tiver algum problema, fala aqui com o nosso chefe, o senhor Paulo.
ZÉ ROBERTO
Chefe? Mas ele...
NESTOR
Faltou ontem porque perdeu a hora fazendo uma boa ação, não é senhor Paulo?
NESSE MOMENTO, SURGE UM OFFICE BOY ENTREGANDO ALGUNS DOCUMENTOS E NESTOR SE AFASTA COM ELE. ZÉ ROBERTO CRESCE PARA CIMA DE ALFREDO.
ZÉ ROBERTO
Boa ação, é? E desde quando sair com garota de programa é fazer boa ação?
PAULO
O quê? Que história é essa. Zé Roberto?
ZÉ ROBERTO
Você falou a verdade pro patrão?
PAULO
Eu tava ajudando uma velhinha..
ZÉ ROBERTO
(INTERROMPENDO)
Mentira, seu safado! Você tava com a Lucimar.
PAULO
Quem é Lucimar. Eu não conheço nenhuma Lucimar.
ZÉ ROBERTO
É claro. Você nem perguntou o nome dela. Aliás, pra quê ficar sabendo nome de prostituta, né?
PAULO
Prostituta!? Você tá é com inveja, porque não pega ninguém. (TEMPO) Pera lá. Como é que você sabe disso se nessa hora você estava aqui trabalhando? Eu quero saber.
ZÉ ROBERTO
Como? (TOM) Quer mesmo saber?
CORTA PARA:
22 – EXTERNA/DIA – FLASH BACK – PORTA DA OFICINA. AO FUNDO O LETREIRO.
ZÉ ROBERTO ESTÁ PARADO PRÓXIMO À CALÇADA. UMA MULHER SE APROXIMA DELE. É A MESMA QUE SEDUZIU PAULO. OS DOIS COMEÇAM A CONVERSAR. ZÉ ROBERTO EXPLICA ALGUMA COISA PARA LUCIMAR. ELE TIRA DO BOLSO UM CELULAR E MOSTRA ALGUMA COISA PARA ELA.
MULHER
Então é esse aí. Pode deixar comigo.
ZÉ ROBERTO
Não vai fazer burrada, hein, Lucimar?
MULHER
Deixa comigo. E a grana?
ZÉ ROBERTO
(PEGA DINHEIRO DO BOLSO E ENTREGA A ELA)
Uma parte tá aqui. O resto dou depois do serviço feito. Presta atenção: segura o homem. Não me deixe ele aparecer aqui antes da hora. Vamos ver se ele não chega atrasado...
CORTA PARA:
23 – INTERNA/DIA – SALÃO DA OFICINA.
ZÉ ROBERTO ESTÁ DIANTE DE PAULO
ZÉ ROBERTO
Entendeu agora? Eu botei aquela mulher no seu caminho pra te desviar do trabalho e deu tudo certo. Pensou que tava abafando, né? Se ferrou, malandro. A Lucimar é das bocadas.
PAULO
Grande, Zé Roberto. Sou capaz de tirar o chapéu pra você. Se fez de amigo. Tirou fotografia e tudo. (TEMPO) Mas parece que seu enredo não adiantou muito. Seu Nestor vai me manter no cargo. Ele gosta do meu serviço.
NESTOR
(VOLTANDO)
Falou certo, senhor Paulo;
ZÉ ROBERTO
Seu Nestor? O senhor tava aí?
NESTOR
Estava e ouvi toda a conversa: o senhor preparou uma armadilha para o seu colega Paulo.
ZÉ ROBERTO
Não é bem assim...
NESTOR
Que decepção, senhor José Roberto. Eu tinha planos muito maiores para o senhor do que ser chefe. Talvez fizesse do senhor o meu sócio. Agora não resta outra alternativa...
ZÉ ROBERTO
Que alternativa, seu Nestor?
NESTOR
O senhor está despedido, senhor José Roberto. Não posso ter nos meus quadros um funcionário capaz de um ato desses.
ZÉ ROBERTO
(PARA PAULO)
Você me paga, otário. Isso não vai ficar assim.
NESTOR
Sai daqui, senhor José Roberto. Antes que eu te dê uma justa causa.
ZÉ ROBERTO SAI, PISANDO DURO E RECLAMANDO DA SORTE.
NESTOR
(PARA PAULO)
Quanto ao senhor: trate de não encontrar mais nenhuma “velhinha desamparada” pelo seu caminho. Da próxima vez, não terá perdão. (SAI)
PAULO
Ufa! Essa foi por pouco (TEMPO) O nome dela é Lucimar!? Até que a danadinha tem um nome bonitinho. Pera lá. Só o nome não, né? Ela é toda bonitinha. (TOM) Mas é muita areia pro meu caminhãozinho. Se bem que agora como chefe...
CORTA PARA:
24 – EXTERNA/DIA – PORTA DA OFICINA. LETREIRO NA PORTA.
FIM DO EXPEDIENTE. PAULO E OUTROS FUNCIONÁRIOS ESTÃO SAINDO. DO TRABALHO. HÁ UM CERTO MOVIMENTO, ELES SE DESPENDEM E VÃO EMBORA. CÃMERA CONTINUA ACOMPANHANDO PAULO QUE SEGUE PELA RUA EM PASSOS DECIDIDOS. ELE PASSA POR UMA VELHINHA CARREGANDO PESADAS SACOLAS DE COMPRAS. PARA, PENSA UM POUCO E DEPOIS RESOLVE AJUDÁ-LA. A SENHORA FICA MUITO AGRADECIDA E PAULO SE SENTE BEM EM, FINALMENTE, ESTAR PRESTANDO A SUA BOA AÇÃO.
CORTA PARA:
25 – EXTERNA/DIA – EM FRENTE A UM CASARÃO ANTIGO.
PAULO ESTÁ PARADO COM A VELHINHA E SUAS COMPRAS.
VELHINHA
Obrigado, meu filho. Você não sabe o favor que fez para essa pobre velhinha.
PAULO
Que nada, senhora. Foi um prazer te ajudar.
VELHINHA
Não gostaria de entrar, tomar um cafezinho?
A PORTA DA CASA SE ABRE E APARECE UMA MOÇA MUITO BONITA. É LUCIMAR, A MOÇA QUE SEDUZIU PAULO NO INÍCIO.
LUCIMAR
Conversando com estranhos. Vovó?
VELHINHA
Essa é minha neta, Lucimar. Senhor...
PAULO
Paulo...
PAULO PERCEBE A COINCIDÊNCIA E FICA DE QUEIXO CAÍDO, BOQUIABERTO. LUCIMAR SORRI, MALICIOSAMENTE.
CONGELA IMAGEM.
CORTA PARA:
FIM.
PERSONAGENS:
PAULO
ZÉ ROBERTO
NESTOR
MARILDA
LUCIMAR
VELHINHA
FIGURAÇÃO
GARÇOM
DONA IRACEMA
OFFICE BOY
COLEGAS DA OFICINA
Adorei ler essa curta metragem e espero que da proxima vez eu leio roteiro de novela da saldosa Ivani Ribeiro.
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