Sempre acompanhei a carreira de Flávio Migliaccio, sobretudo nas novelas das quais participou, e posso afirmar que a notícia de sua morte me deixou bastante mexido. Principalmente depois que foi divulgada as circunstâncias em que ela se deu. Triste saber que alguém chegue aos oitenta e cinco anos e toma uma atitude tão drástica.
No entanto, não é difícil entender o que o levou a dar tal passo; estamos vivendo momentos desalentadores. Chegar aos oitenta e cinco numa outra cultura seria motivo de muito orgulho e contentamento, mas não entre nós; insistimos em ligar o envelhecimento à decrepitude e a inutilidade. À medida que vão envelhecendo as pessoas são colocadas de lado, passam a não mais interessar profissionalmente e, em muitos casos, não tem mais lugar no meio familiar. Isso leva muitos idosos a se tornarem pessoas tristes, amargas. Para chegar à depressão é um passo.
Flávio se desencantou com a vida ao vislumbrar esse futuro sombrio para si e, muito provavelmente, para todos que como ele caminham na mesma direção. Não bastasse isso, estamos em meio a uma pandemia que aponta como vítimas potenciais exatamente os idosos, como ele. Mais uma vez, o estigma da velhice sobre aqueles que resistem bravamente e alcançam idades acima da média de grande parte da população.
Porém, a partida o ator tem outro significado para mim. Disse, no início deste texto, que sempre acompanhei sua carreira, muitas vezes sem grande interesse. Afinal, ele nunca fazia o protagonista. Na maioria das vezes passava muito longe disso; seu tipo físico não o recomendava para o papel do galã, e sua cara engraçada o desaconselhava para o vilão. Sobrava para ele o tipo azarado, reclamador, triste, ou seja, o grande perdedor. Era isso que me chamava a atenção nele, pois, para mim, ele era a imagem do grande perdedor.
Muitas vezes me perguntei como ele lidava com isso e nunca encontrei resposta; ele não era o tipo solicitado para dar muitas entrevistas, nem estava o tempo todo na mídia. Portanto, pouco se sabia de sua vida. Seu último papel em Órfãos da Terra exacerbava todos os problemas da velhice e ele foi fundo e nos presenteou com uma grande interpretação como, aliás, fez em todos os seus trabalhos seja na televisão, no teatro, no cinema, escrevendo, dirigindo ou atuando.
Obrigado por tudo, Fávio Migliaccio, meu querido perdedor.
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