O que para muita gente é sinal de aborrecimento e chateação, para o meu amigo Carlos é sinal de alegria e contentamento. Não acertou quem apostou que seria comer um prato de jiló, acordar cedo todos os dias ou coisa do gênero. O que jamais tiraria Carlos do sério é nada mais nada menos que alguém falar mal dele, imputar-lhe acusações, ainda que falsas.
Esse seu jeito estranho de ser deixa muita gente estarrecida e por que não dizer também assustada. E não adianta você chegar e alertá-lo de que ele está sendo vítima de alguma fofoca ou maledicência: ele reage calmamente e até com uma certa alegria que deixa qualquer um desconsertado:
- Você não vai fazer nada?
- Não.
- Como não? Eles estão falando...
- Deixa que falem. Eu não importo. Até acho bom.
- Você deve ser louco. Só pode ser louco. Todo mundo metendo o malho e você...
Creio que você já deve ter percebido que o diálogo não prossegue. E eu digo porque: ninguém consegue aceitar aquela calma toda e acaba saindo porta à fora cheio de indignação enquanto Carlos fica sorrindo satisfeito.
Eu já cheguei a pensar que ele faz isso por charme, que no fundo deve sentir vontade danada de desancar aqueles que não perdem oportunidade de botar seu nome na roda; ora dizendo que ele é preguiçoso, covarde, que bate em mulher; outras que é mal pagador, que deve a todo mundo, um conversa fiada, cachaceiro, mentiroso, salafrário, filho da p., que não perdoa ninguém, que não tem Deus no coração. Até de veado já foi chamado e nada. Nem sombra de sequer uma cara de aborrecido. Segue adiante sem nem olhar para o acusador. O máximo que já vi foi ele dizer:
- Se tá dizendo isso, então, prova. Quero ver. - fala assim, meio entre dentes, sem se preocupar se está sendo ouvido ou esperar pela resposta.
Não me incluo entre os difamadores do Carlos, mas, confesso, sempre tive um pé atrás com ele. Afinal, é muita gente falando mal, fazendo acusações. Não vai me dizer que você também não ficaria meio assim, sei lá, desconfiado? Não dizem que a voz do povo... Pois é. Vai daí que...
Não me incluo entre os difamadores do Carlos, mas, confesso, sempre tive um pé atrás com ele. Afinal, é muita gente falando mal, fazendo acusações. Não vai me dizer que você também não ficaria meio assim, sei lá, desconfiado? Não dizem que a voz do povo... Pois é. Vai daí que...
Porém, um dia aconteceu algo que me deixou intrigado. Foi quando surgiu o boato de que Carlos tinha se transformado num herói. É isso mesmo. Não se falava em outra coisa. Todos faziam questão de descrever o ato heróico de Carlos: estavam todos num piquenique na praia quando o filho da Laurinha começou a se afogar. Ninguém se mexeu. Todos pasmos olhando o menino se debater na água, pronto para sumir e não mais aparecer. Foi quando Carlos levantou de sua cadeira e se atirou na água trazendo, em seguida, o afogado nos braços. Estendeu o garoto na areia, fez os procedimentos necessários e logo ele dava sinais de vida. Carlos salvou o filho da Laurinha.
A partir daí todos passaram a tratá-lo como herói, com pompas e reverências. Nada mais lembrava aquele Carlos de antes. Agora ele era bem-vindo em todas as rodas, festas e comemorações. Advinha qual foi sua reação diante do clamor geral? Indignação pura. Basta alguém tocar no assunto para ele ficar fora de si de raiva, vociferando impropérios como se fosse um louco. Ele que se sentia tão calmo e tranquilo quando sofria acusações, agora que é alçado a categoria de herói tem essa reação absurda. Dá para entender? Difícil, não é? Pois pode acreditar: o Carlos prefere que falem mal dele do que falem bem. Não aguentando de estupefação, perguntei a ele:
- Por que essa reação, Carlos? Afinal você salvou o garoto ou não?
- Salvar, salvar não sei. Sei que tirei o garoto da água antes que ele morresse. Se isso é... Quer saber de uma coisa? Essa gente tem mania de falar coisas. Agora tão com essa história de herói, se eu acreditar nisso vou ter que acreditar em todas as outras coisas que falaram de mim esses anos todos. Já pensou se acredito nessa papagaiada toda e começo a me sentir o herói e coisa e tal. Nem pensar. É melhor que falam mal de mim.
E lá vai ele sem me dar tempo de, pelo menos, argumentar.