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junho 09, 2012

"Meus inimigos me tratam melhor que você".

     E claro que a afirmação acima vinha recheada de uma boa quantidade de exagero. Na verdade, a coisa não chegava a tanto, mas também não estava longe assim. Ele não era exatamente o que se podia chamar de um gentleman. Ou até era. Só que com as pessoas da rua, aquelas que ele não conhecia ou as que via ocasionalmente como vendedores de loja, garçons, atendentes de lanchonetes, recepcionistas e até guardas de trânsito. Com todos Jurandir era um amor de pessoa. Não havia quem não comentasse:"como esse moço é educado."
     Com Meire, porém... Bem, melhor deixar a própria Meire falar:
- Conheci o Jurandir quando estava na faculdade. A gente fazia parte da mesma turma e ele sempre me chamou a atenção por ser muito calado, tímido mesmo. Aos poucos fui me aproximando dele e começamos um relacionamento. No início ele me pareceu educado, gentil. Mas com o tempo ele foi mostrando que não era bem isso. Passou a se mostrar irritado por qualquer coisa, a fazer grosserias. Depois ele pedia desculpas e dizia que não iria fazer aquilo de novo. Só que...
     Bem, Jurandir voltava a fazer grosserias, Meire ficava chateada e terminava o namoro. Jurandir chorava e prometia que aquela era a última vez. E assim os anos foram passando. Jurandir e Meire se casaram, tiveram filhos e Jurandir continuou o mesmo. Até que Meire, já não aguentando mais aquela situação, passou a questionar a sua relação com Jurandir. Afinal, o que era aquilo? Por que ela se submetia àquilo? Meire nunca foi uma mulher bonita, ela mesma sabia disso, mas por outro lado nunca foi de se jogar fora. Antes de Jurandir conheceu outros rapazes, teve vários namorados e chegou a dar o fora em alguns.
     Baseado nessas evidências, ela resolveu encarar Jurandir e botá-lo contra a parede. Não estava mais disposta a manter um relacionamento baseado nos humores do marido. Até porque ela sabia que esse comportamento era mais em casa com ela e os filhos e que na rua ele era  diferente. Seria o marido  um "bipolar"?
     Independente de qualquer coisa, Meire passou a questionar seriamente o comportamento do marido e reparar entre suas amigas e colegas se seus companheiros também tinham aquele tipo de atitude. E qual foi a sua surpresa? Muitas tinham as mesmas reclamações não só de seus maridos ou companheiros, mas também de relacionamentos comuns do dia a dia. Descobriu que era frequente esses maus tratos entre pessoas próximas. Em muitos casos, era até um hábito.
     Uma de suas amigas relatou que tinha sérios problemas com os irmãos, que a maltratavam toda vez que ela se aproximava de algum cara. Outras eram os pais, tios, amigos, namorados, chefes. Foi então que ela percebeu que muita gente confunde as estações, acham que por gozar da intimidade e ser muito próximo daquela pessoa não precisa ser gentil, educado, cavalheiro. Quanto mais longos os relacionamentos, mais grosserias e faltas de educação.
     Para Meire, as coisas não deveriam ser assim. Tanto que ficou pasma quando descobrir que tinha amigas que também tinham esse tipo de comportamento. Aí, ela botou a mão na cabeça e pensou que a coisa era mesmo séria.
- Tratam os inimigos melhor do que tratam os amigos - pensou ela - Isso não pode ser assim.
     Chegou a pensar em criar uma espécie de associação ou ONG para tratar do assunto. O lema seria "abaixo as grosserias, todos unidos pelos bons tratos e pela gentileza". E claro que a ideia não saiu da cabeça, mas ela a botou em prática em casa com o Jurandir. Teve uma conversa franca onde  colocou para fora todas as suas queixas:
- Há anos venho aturando esses seus humores, sua grosseria, suas patadas, seus silêncios. Não dá mais. Desse jeito é melhor a gente se separar. Até um inimigo me trataria melhor do que você. O que foi que eu te fiz para merecer isso?
     Diante disso, tudo o que se viu foi um Jurandir assustado e amedrontado. Meire nunca tinha falado daquele jeito com ele. O que estava acontecendo? - ele se indagava - Mas Meire continuava esbravejando, gritando. Estava possessa. Não queria mais viver aquela situação. Era preciso dar um basta. Já estava começando a fazer as malas quando viu Jurandir ajoelhar-se aos seus pés e pedir desesperado:
- Não vá. Não me deixa.
- Acabou. - respondeu ela.
- O que está acontecendo?
- Você ainda pergunta.
     O diálogo continuou e Jurandir acabou confessando que se comportava daquele jeito estranho porque achava que Meire só gostava dele por isso. Foi assim que ela o conheceu.  Ele tinha medo de mostrar a sua verdadeira face - um cara gentil e alegre - por medo de que ela não gostasse mais dele. Por isso, tinha um comportamento em casa e outro na rua. O que Jurandir tinha era medo de demonstrar que depois que conheceu Meire já não tinha mais motivos para ser aquele casmurro que ela conheceu. Desfeito o engano, o casal vive feliz e alegre até hoje.