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abril 19, 2012

Despedido.

     Quando José chegou ao trabalho naquele dia sentiu algo estranho no ar. Mesmo assim, tentou não dar bola para os pressentimentos ( havia muito que os boatos corriam de boca em boca de que a firma não ia bem das pernas e que "cabeças iriam rolar") e tratou de iniciar a rotina de todos os dias. Minutos depois recebeu um chamado dizendo que era solicitado na sala do Chefe.
      Por incrível que pareça, naquele momento o tal pressentimento já tinha desaparecido por completo e ele pensou que não seria nada de mais. Afinal, ele já estava acostumado a ir à sala do Chefe pelos motivos mais diversos. Tratou logo de atender o chamado e lá foi ele. Entrou  e ao mirar a cara do Chefe percebeu que ele nem respondeu ao seu "bom dia". Perguntou se podia sentar e ele foi seco:
- Claro. Senta aí.
     José sentou-se e ficou esperando o Chefe se pronunciar. O que seria? Justo naquele dia com tanta coisa para fazer... Foi uma longa espera. O Chefe parecia ter todo o tempo do mundo e não estava nem um pouco preocupado com a figura à sua frente. Rabiscando alguma coisa num papel, ele parecia estar sem coragem para começar a conversa. Foi quando José, já não aguentando mais, perguntou:
- O senhor me chamou aqui?
- Chamei, sim. - respondeu ele, sem levantar a cabeça.
José mexeu-se  na cadeira, impaciente. Pensou em alguma coisa e já estava preparado para falar quando ouviu:
- Eu sei que você sabe da nossa situação. Estamos vivendo momentos difíceis e teremos que cortar custos... Infelizmente, vamos ter que dispensar os seus serviços. - disse sem levantar os olhos do papel onde fazia rabiscos aleatórios.
     Naquele momento foi como se o chão faltasse debaixo dos pés de José. Por mais que ele não morresse de amores por aquele trabalho e soubesse que aquilo mais cedo ou mais tarde viria a acontecer, foi pego de surpresa. Na verdade, pensou, como na morte: por mais que saibamos que ela uma hora chega, sempre somos surpreendidos.
     Feitos os entendimentos de praxe, José deixou a sala do Chefe. Só então procurou dimensionar o que havia acontecido: fora despedido depois de vinte anos de trabalho. Isso não chegava a ser o fim do mundo, mas o deixou abalado e mesmo tocado. Vinte anos não são vinte dias. Pensou como daria a notícia em casa e na situação de estar desempregado. Por pouco não chorou andando pelas ruas meio sem destino.
     Foi quando sentiu uma sensação boa, como se um vento novo tocasse o seu rosto. Juntamente com ele, a  convicção de que novos tempos estavam chegando. Não era tão ruim assim sair daquele emprego onde ficou tanto tempo mais por comodismo do que por qualquer outra coisa e sempre haverá um lugar para quem quer e sabe trabalhar. Levantou a cabeça e seguiu pela rua.  Tirou o paletó, afrouxou a gravata e encheu os pulmões de ar. Pela primeira vez em muitos anos descobriu que não tinha a menor pressa. Parecia que um peso enorme tinha saído de seus ombros.

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