Alice morava naquele apartamento há algum tempo e gostava muito dele. Era um apartamento pequeno que só dava para uma pessoa, mas muito aconchegante. O sonho da vida de Alice sempre foi morar sozinha. Desde criança queria ter o seu próprio canto, viver sossegada longe de tudo e de todos.
Não que ela fosse avessa à pessoas, um bicho do mato. Nada disso. Alice era uma pessoa sociável, tinha muitos amigos. Talvez essa vontade de morar sozinha tenha surgido pelo fato dela ser filha mais nova numa casa de cinco irmãos, todos homens. Ela sentia-se sufocada no meio daqueles marmanjos. Na sua opinião, eles ocupavam todos os espaços, eram desordeiros, falavam muito. Alice queria paz e sossego.
Foi com a ajuda da mãe que ela encontrou aquele apartamento. Mudou-se para lá feliz da vida e cheia de planos. No entanto, poucos dias depois ela descobrir que, de certa forma, os irmãos tinham mudado com ela. Não literalmente, claro, mas na forma de vizinhos.
No apartamento ao lado do seu funcionava uma espécie de "republica" de rapazes e eles faziam um barulho infernal: deixavam a porta aberta, ouviam som alto, falavam aos berros, ou seja, tomavam conta de todo o andar. Para entrar e sair de seu apartamento, Alice tinha que enfrentar verdadeiros obstáculos. E não adiantava reclamar na administração do prédio.
Alice chegou a pensar em voltar para a casa dos pais. No entanto, resistiu firme. Afinal, morar sozinha era o seu grande sonho e o apartamentinho (ela só se referia a ele assim) era tão bonitinho. Ela decorou com tanto esmero. Sentia pena em deixá-lo. Por isso, suportava aquela situação..
Um dia, porém, os vizinhos arruaceiros foram embora e o apartamento ficou vazio. Alice se sentiu no céu. Sem os vizinhos que lembravam os seus irmãos, o seu sonho de paz e sossego estava realizado.
Alice viajou para Bahia no carnaval e quando voltou teve uma surpresa: o apartamento voltara a ser ocupado. Dessa vez, não por uma turma de rapazes, mas por um rapaz apenas. Depois de uns dias de descanso, aquela notícia a deixou completamente arrasada. Ela temeu que voltassem todos os seus problemas.
No entanto, o rapaz, um jovem de uns trinta anos, mostrou-se bastante educado e silencioso. Diferente dos outros vizinhos, ele era todo gentileza. Dava bom dia, boa tarde, boa noite, segurava a porta do elevador, e oferecia ajuda o tempo todo.
Alice não gostou daquilo. O que aquele rapaz estava querendo? E tratou de mostrar para ele que não estava a fim de papo. E fez isso da pior forma possível: não se dignava a sequer olhar na cara dele. Responder aos seus cumprimentos ou aceitar as suas gentilezas, nem pensar. Pelo seu lado, o rapaz insistia em ser gentil. Quanto mais gentil ele era, mais grosseira era Alice.
Aos poucos o novo vizinho foi percebendo que Alice não gostava dele e passou a agir de maneira diferente. Quer dizer, passou a agir igual aos antigos inquilinos do apartamento. Alice levou um susto quando ele passou a ouvir som no último volume, a deixar a porta aberta e a ignorá-la quando passava por ela.
Só então, ela percebeu que tinha provocado aquela reação no vizinho e tentou consertar a situação com as mesmas gentilezas que ele dispensava a ela no início. Tarde demais. Agora quem não queria papo era o rapaz.
Alice voltou para a casa dos pais e hoje sonha com aquele rapaz gentil e educado que um dia ela conheceu.
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