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outubro 01, 2011

Antes que a casa caia.


    Parece que é um hábito corriqueiro deixar que as coisas estraguem, deteriorem para só então depois dar um jeito de tentar recuperá-las. Podemos ver isso facilmente dando umas voltas pela cidade do Rio de Janeiro. Pelo caminho, qualquer um que você tomar, você pode ver muita beleza, prédios de arquitetura deslumbrantes, monumentos históricos, mas também pode ver muita coisa deteriorada, estragada mesmo. Chega a dar pena ver prédios cheios de história para contar caindo aos pedaços. Na região do centro próxima à praça Tiradentes, rua Gomes Freire, rua dos Inválidos então, chega a dar medo. Além do mais, a população (nós) ainda corre o risco com os desabamentos constantes, incêndios, etc.
     É possível que você esteja pensando: "mas são só os prédios públicos que agonizam e morrem na nossa frente". Isso é verdade. Tem muita propriedade particular nesse meio também. Só que, cabe ao poder público cuidar para que os proprietários particulares cuidem bem dos seus imóveis através de uma fiscalização mais rigorosa, não é mesmo? No caso do prédios públicos, vira e mexe a gente fica sabendo que um ou outro será recuperado. Isso significa sempre o gasto de cifras altíssimas. Dinheiro que não se sabe se é mesmo necessário ou usado, mas que é anunciado, creio até que com algum orgulho. Como se fosse bom gastar muito, se isso fosse sinônimo de importância, trabalho bem realizado, presteza do poder público e mais não sei o quê.
    Não foi só a notícia de que algumas casas que estão quase indo abaixo próximo aonde eu moro serão recuperadas (as casas no sopé do Outeiro da Glória) que me levou a escrever esse post. Mais do que isso, foi o fato de que na vida costumamos agir de maneira parecida: primeiro engordamos além da conta para depois fazer um grande regime (a moda agora é cirurgia); deixamos nossos relacionamentos deteriorar para depois sair em campo para tentar recuperar a pessoa amada; o mesmo se pode dizer do nosso corpo, aquela barriguinha que cresce com o nosso consentimento e que depois lutamos para perder; ficamos sedentários para mais tarde lembrarmos (ou sermos lembrados) de que devemos nos mexer; nossas rugas, nossos dentes, enfim tudo aquilo que podemos prevenir e que, quase sempre, deixamos de lado, como se não pudéssemos fazer nada, se não dependesse de nós.
     Pelo contrário, depende sim. Aliás, para ser exato, depende somente de nós, de ninguém mais.  Podemos e devemos agir antes que "a casa caia", antes que seja tarde demais, antes que as pessoas comecem a olhar horrorizadas para nós, como se fossemos "monumentos" em vias de desabamento. Antes que precisemos fazer malabarismos para aparentar menos idade, menos peso, menos ignorância.
   Já pensou nisso? Então vamos agir enquanto é tempo. Os outros monumentos e prédios (desculpe a comparação) podem até depender do poder público para não virem abaixo ou deteriorarem, mas nós não. Cabe a cada um de nós cuidar de si (física e intelectualmente), manter-se bem, cuidar-se dia a dia, para não ser surpreendido de uma hora para outra. Cuide-se! A hora é agora.

setembro 30, 2011

Felicidade existe?

     Quando faziam essa pergunta para Elaine, ela fatalmente respondia que não. E não era um não baixinho, envergonhado ou indeciso. Era um não para acabar com qualquer dúvida possível. Essa pergunta era comumente feita a ela porque, visto de fora, ela parecia ter o que podemos chamar de uma vida perfeita: era bonita, bem casada, um casal de filhos, uma boa casa; ela e o marido eram formados ela, professora, ele, engenheiro. Os dois eram muito queridos dos familiares e amigos, chegavam a exercer uma certa liderança sobre todos e eram vistos como exemplos de pessoas bem sucedidas, casal apaixonado, filhos bem educados, enfim, uma vida que muitos pediram a Deus.
     O ceticismo de Elaine assustava um pouco. Era difícil acreditar que uma pessoa de certa forma abençoada por Deus, tivesse aquele tipo de visão da vida. Para ela tudo o que tinha conseguido na vida foi por seus méritos e esforços. Aquilo que todos chamavam de sorte, felicidade ela via apenas como resultado do seu trabalho. Segundo ela, tudo em sua vida tinha sido planejado. Desde criança ela planejou ser professora de português, disciplina em que sempre se considerou péssima, por isso decidiu estudar para aprender e acabou tornando-se doutora na língua. Doutorado para não ser uma professora qualquer, mas alguém com grande conhecimento. Elaine escreve livros sobre a língua portuguesa e é muito conhecida. 
    No casamento não foi diferente. A primeira vez que viu Paulo, ela decidiu que ele seria seu marido. Viu nele as características do homem com o qual queria casar e criar os seus filhos. Paulo nem a notava, envolvido com outras garotas, mas ela foi em frente e não demorou muito e eles estavam casados. Os filhos também foram planejados: um menino e uma menina. Nasceram Paulinho e Flávia.
     A casa com piscina, churrasqueira e tudo que uma família de classe média pode sonhar, o carro (na verdade, "os"), as viagens para o exterior, o doutorado para ela nada aconteceu por acaso. Pelo menos, ela pensava assim. Ela não acreditava em acaso, acreditava em planejamento, trabalho, dedicação. Era o que se pode chamar de uma pessoa pragmática.  De vez em quando ela gostava de lembrar o passado. Recordava a casa dos pais muito pobres, os seis irmãos... Ela foi a única a estudar. Estudou em colégios públicos, com esforço entrou na universidade. Chamava atenção para esse nosso contra senso: os alunos das escolas públicas geralmente não conseguem entrar para as universidades do governo, mas ele conseguiu. E da primeira vez.
    A vida de Elaine ia como ela desejava e planejava até que o destino lhe pregou uma peça. Algo que ela não planejou aconteceu. Numa tarde de sábado o telefone tocou e do outro lado uma voz:
- A senhora é dona Elaine?
- Sim. - respondeu ela, distraidamente.
- É que aconteceu uma coisa... Seu filho Paulo, ele foi assaltado.
- O que? Onde está meu filho? Quem está falando? Deixa  eu falar como meu filho. Passa o telefone para ele. - disse ela, com a autoridade de sempre.
- Eu sinto muito, dona Elaine. Seu filho está morto.
Naquele momento, Elaine sentiu seu mundo desabar. Aquilo não poderia ser verdade. Afinal, ela planejara um futuro brilhante para o filho. Ele ainda tinha que se formar, casar, ter filhos, ganhar muito dinheiro, ser um homem bem sucedido. Não poderia morrer assim de uma hora para outra mal começando a vida, sem mais nem menos.
     Porém, não teve outro jeito: Elaine, juntamente com o marido, Paulo, e a filha, Flávia tiveram que enfrentar a realidade: um bandido fortemente armado roubou o carro de Paulinho e, não satisfeito, atirou contra ele, covardemente, à queima roupa. Segundo as testemunhas, o bandido já estava de posse do carro quando efetuou os disparos contra Paulinho, que não ofereceu nenhum tipo de resistência. Parecia agir movido por raiva, ódio; Não como quem quisesse somente roubar um carro.
     A vida de Elaine e sua família sofreu uma forte transformação. Aquela mulher determinada, com um olhar sempre à frente, deu lugar a uma mulher triste e saudosa do tempo em que vivia feliz com os filhos e o marido. Como forma de extravasar sua dor, Elaine participou de passeatas, protestos, jurou que lutaria até o fim para que o assassino de seu filho passasse o resto de seus dias na prisão. O ódio e o ressentimento tomaram conta de sua vida. Elaine passou a viver para vingar a morte de seu filho. Abandonou o trabalho e a família. Quando deu por si o seu casamento já tinha acabado, sua filha tinha saído de casa e os amigos, antes tão próximos, tinham desaparecido. Elaine estava sozinha.
     Na sua solidão ela descobriu que a felicidade realmente existia e ela tinha sido muito feliz quando seu filho estava vivo e todos viviam confiantes e harmoniosamente. Agora sabia que aquilo que ela achava que era apenas fruto de seu planejamento era na verdade felicidade em estado puro. Agora tudo aquilo tinha acabado. Elaine lamentava não ter aproveitado mais aqueles momentos e quanto mais pensava nisso, mais ódio sentia do assassino do filho.
    Um dia Elaine teve uma ideia um tanto absurda. Resolveu ir até o presidio onde estava o assassino de seu filho. Queria olhar frente à frente para ele, interrogá-lo, saber por que ele destruíra a vida de seu filho e a sua própria. Teve dificuldade para conseguir seu intento, pois todos achavam aquilo fora de propósito. Não tinha cabimento ela fazer aquilo. Determinada, ela acabou conseguindo. Chegou o dia, e lá foi ela. Quando bateu os olhos no rapaz, ela não pode acreditar: ele era tão jovem quanto seu filho e por um momento ela chegou a pensar que estava reencontrando o seu Paulinho. Todo o seu ódio veio por terra. Ela que planejava partir para cima dele, dizer aquilo que estava preso em sua garante desde o assassinato do filho sentiu vontade, não de maltratá-lo, mas de dar-lhe um abraço apertado e chamá-lo de filho.
     Sem dizer nenhuma palavra Elaine saiu porta à fora. No caminho de volta para casa, sentia-se mais leve. Chegou em casa e, depois de muito tempo, dormiu um sono reparador. Durante o sono teve um sonho com o filho. No sonho ele estava abraçado com o seu assassino. Sorrindo, o filho lhe pedia que perdoasse aquele rapaz e acrescentava:
- Tudo faz parte de um plano infinitamente maior.
Quando acordou, Elaine tomou uma decisão que chocaria a todos: voltou ao presidio, teve uma longa conversa com o rapaz, coincidentemente também Paulinho, onde se inteirou de toda a vida rapaz: ele tinha vinte e dois anos, a mesma idade que seu filho teria, vivia com uma garota e tinha  uma filha. A partir daquele dia, Elaine os tomou como sua família. Aquele rapaz. antes o assassino cruel de seu filho, agora tomava o seu lugar.  Assim ela retomou sua vida e quando perguntada já consegue responder:
 - Sim, felicidade existe.

setembro 24, 2011

Falsos padrões de comportamento.

     Como todo bom brasileiro, Adolfo faz questão de dizer que não  é preconceituoso. Imagina! Ele jamais seria capaz de um ato desse tipo. Pelo contrário. Ele até faz questão de dizer que tem amigos negros, gays, favelados e mais um enorme grupo que ele considera estar na lista dos que podem sofrer preconceito.
- Isso não é atitude de um homem evoluído, antenado com o seu tempo. - diz ele, quando questionado sobre a possibilidade dele ter preconceito de alguém.
    Não sei se é necessário dizer, mas Adolfo acha que não se inclui em nenhuma das categorias acima descritas e nem em nenhuma outra. Para ser mais claro, ele faz questão de dizer que é loiro, que tem olhos azuis (difícil perceber, porque ele usa óculos de lentes grossas) e que comumente é confundido com estrangeiros (gringos), como se isso fosse um atestado, uma defesa:
- Isso que dá ser loiro e ter olhos azuis numa terra de mestiços, né? - diz ele, sem falsa modéstia.
   Esses atributos faz dele, segundo a sua estreita de visão de vida, uma espécie de semideus, ou seja, ele está livre de sofrer preconceitos de qualquer ordem. Que coisa boa, não? Adolfinho, como comumente é chamado pelos parentes e amigos, é uma figura. Baixinho, com uma calvície evoluindo para careca, com uns bons quilos acima do peso, pé chato e com uma voz um tanto desafinada, para não dizer outra coisa e, ia me esquecendo, sem muita coordenação motora.
     Porém, basta começar uma conversa qualquer para ele sair com meia dúzia de histórias que não nos deixam pensar outra coisa a seu respeito. Está sempre contando piadas envolvendo gays, negros, pobres, se espanta com casamentos ou amizades inter-raciais, ri de pessoas com defeitos físicos, gagueiras e etc, acha que pobre fede, que velho não presta para nada e que deve morrer e quando vê um travesti ou gay sai sempre com com coisas do tipo:
-  Ui, ui.. Olha a menina... E aí gostosona?
Mulher no transito para ele é o fim. Qualquer coisa e lá vem ele:
- Só podia ser mulher...
Com negros a situação não melhora nem um pouco:
- Marcinho é negro, mas é muito gente boa. O cara é muito gente fina. Ninguém diz que é crioulo. É o típico preto de alma branca. - diz, confiante que sua fala é legítima e que não está cometendo um ato preconceituoso ou criminoso.
     Como Adolfo, muitos vivem essa dicotomia: proclama que não são preconceituosos, mas seus atos e palavras parecem insistirem em ir para o lado contrário. Agem de forma preconceituosa exatamente por julgarem que não o são. Como se bastasse falar e as palavras agissem sozinhas, sem nenhuma coerência. Diz uma coisa e faz outra. Esquecendo-se que nossas palavras precisam estar conectadas com nossos atos e ações. Se assim não for, uma anula coisa a outra e o resultado é que a pessoa acaba sendo aquilo que afirma não ser. É provável que Adolfo gostaria de não ser preconceituoso, ser gente boa, um cara descolado, talvez apenas para ser politicamente correto como dita a moda dos nossos dias, mas não consegue.
   Por outro lado, coloca-se numa posição privilegiada onde nada pode atingi-lo e enganado vai levando a vida. Sem se dar conta de que somos todos iguais, que estamos todos sujeitos às mesmas "leis".

setembro 17, 2011

Questão de bom-senso

     É comum as pessoas confundirem seriedade com mau humor, falta de traquejo para levar a vida. Como se somente os extrovertidos soubessem o que é bom na vida. O resto é um bando de mau humorados que precisa afrouxar suas gravatas, desatar os seus cintos, lançar fora os sapatos apertados e ir para a avenida atrás do bloco dos felizes antes que seja tarde demais. Basta ver alguém que se preocupa um pouco mais com a correção, pontualidade, ou seja, pessoas com senso de responsabilidade para logo taxarem o dito cujo como alguém que não tem prazer de viver, que vive de mal com a vida.
      Com esse tipo de visão, na minha opinião, um tanto retorcida, muitos optam por levar a vida sem tomar muito a sério as coisas agindo, muitas vezes, de forma irresponsável e até leviana acreditando que assim estão se preservando de serem taxadas de pessoas que não  fazem parte do "deixa a vida me levar", como canta o "filósofo" Zeca Pagodinho.
    Muitos chegam a não levar absolutamente nada a sério. São capazes de dar gargalhadas num velório, perturbar o silêncio num hospital, profanar um ato religioso, rir da desgraça alheia. Em nome desse estilo de vida, não respeitam nada e nem ninguém. No popular, são aquelas pessoas que perdem o amigo mas não perdem a piada. Tudo o que fazem em nome da velha pergunta:
- Pra que levar tudo tão a sério?
    Para muitos essa forma de encarar a vida significa estar a salvo de problemas, aborrecimentos. Evitam tudo o que pode fazer pensar e assim trazer tristeza. A fome na África, os desastres naturais, as chacinas, tragédias nada lhes interessam. Por esse motivo, evitam tomar conhecimento das coisas chamadas indesejadas e beiram a alienação.
     Espera lá. É bem verdade que um pouco de bom humor não faz mal a ninguém. Alguns dizem, acertadamente, que rir é o melhor remédio. Só não podemos é rir de tudo, fazer da vida uma eterna piada. Concorda comigo? Tem hora para tudo nessa vida, não é? Tem hora de se divertir e tem hora do trabalho sério. Embora isso não signifique que há uma linha divisória entre as duas coisas. É claro que não há. Tem momentos em que as coisas se confundem um pouco mesmo, mas sempre... Aí a coisa pega. A pessoa corre o risco de, aí sim ,de ficar taxada de louca, de pessoa em que não de se deve confiar. Acha que existe coisa mais triste do que ser uma pessoa em quem não possa confiar, em quem não se possa contar numa hora de necessidade? Acredito que não. Por isso, temos que apelar para o bom senso, buscar o equilíbrio entre ser alguém de bem com a vida, que gosta de levar a vida sem fazer muito drama ou alguém simplesmente irresponsável.