A antiga novela de Gilberto Braga, transmitida pela Rede Globo em 1980, está atualmente sendo reexibida pelo canal à cabo Viva. Além de ser a oportunidade de ver uma novela que me traz boas recordações de um tempo em que eu era muito novo e morava em minha cidade natal, Ibiá, no interior de Minas, dá uma boa dimensão de como eram e como ficaram as novelas. Principalmente falando, as novelas do autor em questão.
De cara, você tem a sensação de que aquele era mesmo um outro mundo. As pessoas ( personagens) falam e fazem coisas que hoje tornaram-se quase impensáveis; as preocupações eram outras, o Brasil era outro e havia, sobretudo, uma ingenuidade gostosa de se ver que nós perdemos.
Pode-se dizer que a coisa é muito arrastada e que um problema pode levar semanas para ser resolvido e que os personagens têm dramas risíveis. Destaque para a indecisão de Ligia ( Bete Faria, talvez no melhor de sua forma física) entre os irmãos Nelson ( Reginaldo Farias) e Miguel ( Raul Cortez, sempre impecável, pena que nos deixou tão cedo), ou que alguns personagens (Janete (Lucélia Santos), em especial) parecem donos da verdade e que isso faz tudo parecer um tanto chato.
Há muitos méritos na novela. O maior deles é mostrar como se vivia naquele tempo. Nesse quesito, a novela é um belo documento de uma época e podemos fazer as comparações, ver o que melhorou e o que piorou com o passar dos anos.
Porém, o que mais me chama atenção é o próprio Gilberto Braga. Vale à pena ver o quanto ele era maduro para a época, quando deveria ter pouco mais de trinta anos. Os temas que ele aborda são bastante relevantes: a emancipação da mulher, o topless, a solidão através de Irene ( Eloisa Mafalda, sempre um destaque), a orfandade de Maria Helena (Isabela Garcia, criança), embora falte um pouco mais de realidade na abordagem, os dramas de um casamento com Edir (Cláudio Cavalcante) e Márcia (Natália do Vale, jovem, bonita e talentosa) e a falta de maturidade e caráter de Evaldo ( Mauro Mendonça), esse talvez o melhor e mais bem construido personagem da trama, dentre outros.
E tem aquele mundinho da alta sociedade que sempre despertou, hoje creio que menos, o interesse dos meros operários do Brasil. Mundinho que o próprio autor diz conhecer bem e gostar muito de abordar em suas novelas. Mas é nos tipos, digamos, mais comuns que ele se sai melhor. Evaldo, Suely (Angela Leal) e Marinete (Terezinha Sodré) são bons exemplos.
O bom de tudo mesmo é que vemos um Gilberto Braga sem maniqueísmos que tomariam conta de seus trabalhos.posteriores: de um lado os bons e do outros o maus e eles lutam entre si durante toda a novela. Em Água Viva, apesar de se dizer que Lourdes Mesquita (Beatriz Segall) é uma grande vilã, o que se vê é uma personagem errando e acertando como qualquer um. Aliás, quase todos os personagens são carregados de muitas doses de humanidade.
Há até um certo exagero quando os outros personagens falam de Lourdes, Ela é apenas uma Stela Fraga Simpson ( Tônia Carrero, verdadeiramente bela) sem dinheiro. Nada mais que isso. O resto é puro folclore.
Definitivamente, Gilberto Braga era um autor muito mas arguto e a falta de preocupação em dividir os seus personagens entre bandidos e mocinhos faz toda a diferença.
Deu para perceber quando por volta do capítulo 60 o autor ficou perdido e teve que receber a colaboração do Manuel Carlos. Esse sim, ainda escreve novelas como se escrevia na épica de Água Viva.
Seria bom que Gilberto Braga retomasse o trilha perdida a partir de Água Viva. O público só teria a ganhar.