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novembro 05, 2011

Uma viagem sempre adiada



     Quando ele resolveu  deixar sua pequena cidade, decidiu que só voltaria a pisar ali novamente quando "vencesse na vida". Mas aquele jovem não sabia nada da vida. Pouco importava que lhe dissessem que vencer na vida nos grandes centros não era algo assim tão fácil. Ele respondia que isso dependeria de força de vontade e persistência. E isso ele tinha de sobra.
     Muitos foram os que tentaram lhe avisar: "A vida nos grandes centros é dura e perigosa. Quantos já foram e  voltaram?" Até os mais velhos contaram histórias tristes de aventureiros que saíram da cidade em busca do eldorado e viraram mendigos, ladrões, assassinos, ou  enlouqueceram e nunca mais encontraram o caminho de volta. Nada era capaz de demovê-lo de seu sonho de conquistar a cidade grande.
     Num belo dia ele estava de mala e cuia, como diziam, pronto para pegar o ônibus rumo ao seu sonho. Quando desembarcou na cidade grande, achou tudo muito grande, barulhento, confuso. Durante muito, muito tempo, sentiu-se como se não pertencesse àquele mundo. Passou fome, frio, dormiu na rua.Trabalhou aqui e ali. Nada que valesse muito à pena. Apenas dava para não morrer de fome. Por muitas vezes se viu fazendo tarefas que em sua cidade ele não faria, mas que ali eram a sua salvação.Noutras, pensou em fazer o caminho de volta. Porém, bateu o orgulho. Sentiu que não teria coragem de enfrentar todos aqueles que tentaram dissuadi-lo de partir, por isso desistiu da ideia. Mesmo porque não tinha dinheiro para comprar a passagem de volta. Assim descobriu que vencer na vida não dependia somente dele como havia pensado. As pessoas de sua cidade tinham razão. A vida na cidade grande era dura e em meio aquelas agruras, muitas vezes chorou, sentiu-se sozinho, derrotado.
      O tempo foi passando.  Viveu ilusões, desiludiu-se, galgou postos, conheceu pessoas, juntou-se a elas e depois separou-se delas e uniu-se a outras das quais se separou também. Algumas mais tarde voltou a encontrar. Outras, sumiram, desapareceram como se não tivessem existido um dia. Aprendeu, com isso, a dança dos encontros e desencontros. Amou, sofreu, riu, fez chorar, chorou, voltou a alegrar-se de novo para novamente voltar a chorar e rir e rir e chorar. A roda da vida.
     Nesse meio, galgou postos melhores e sentiu-se mais forte. Poderia até dizer que sentiu-se um vencedor. Não como ele tinha sonhado, mas descobriu que nem tudo é como nos sonhos. Talvez essa seja a maior lição que ele aprendeu: valorizar as pequenas vitórias da vida e transformá-las em grandes feitos, pois os vencedores se fazem no dia a dia, aprendendo com os erros e os acertos. Foi assim que, num belo momento, se viu numa posição confortável e se sentiu feliz. Já não era mais aquele jovem de mãos vazias e com a cabeça cheia de sonhos de antes. O menino tinha virado um homem.
      Apenas uma coisa continuava martelando em sua cabeça: aquela sonhada viagem de volta. A viagem do vencedor. Viagem essa que ele tinha tentado fazer várias vezes e desistido pelos mais diferentes motivos. Como das outras vezes, ele preparou-se para a viagem: comprou a passagem, comprou roupa nova, alguns presentes. Dessa vez, sentia que tinha chegado a hora. Agora nada iria impedí-lo. Malas na mão, ele passou a chave na porta de casa. Na rua, fez sinal para um táxi. Na rodoviária caminhou para a plataforma de embarque. Nervoso, pois-se a esperar a ônibus. Foi quando começou a indagar-se: Para onde e para o que estou voltando? Sentia-se tão diferente, quase não se reconhecia. De repente, rasgou a passagem que trazia na mão, pegou a mala e voltou para casa.

novembro 04, 2011

Preconceito.


      Que a vida está sempre nos surpreendendo, isso não é novidade para ninguém, não é mesmo? Só que enquanto essas surpresas são boas tudo muito que bem, mas quando elas não são exatamente aquilo que acreditávamos ser possível acontecer, então, a coisa "pega". A história que passo a narrar abaixo é bem um  exemplo de como nossa sociedade (na verdade, cada um de nós) não perdoa aqueles que vivem de forma diferente do pré-estabelecido e do convencional.
     Marly participava de um grupo, digamos, de música e oração. Ela sempre foi uma pessoa um tanto quanto fechada, de poucos amigos. Foi esse o motivo que a levou àquele grupo. Ela frequentava a igreja e um dia ouviu que estavam convidando pessoas para fazer parte de um grupo de música e como ela gostava de cantar (na verdade, o que ela queria mesmo era aprender a tocar violão), tomou coragem e  foi.
     Logo de cara, foi muito bem recebida, as pessoas até lhe foram solícitas e ela se sentiu bem. Chegou mesmo a pensar que tinha encontrado a "sua turma", tal foi a empatia. Logo começou a se destacar sendo chamada para participar de mais atividades tornando-se, inclusive, secretária do grupo. Marly nunca se sentiu tão bem. Aos poucos foi perdendo aquele seu jeito fechado e começou a se abrir com as pessoas.
     Passado algum tempo, ninguém, nem a própria Marly, reconheceria aquele "bichinho do mato" de antes, tal era a integração dela no grupo. Sua voz não era o que podia se chamar de bonita nem  afinada, mas o Maestro também se deixou contagiar por sua transformação e deixava que ela participasse sem cobrar-lhe muito apuro artístico. Mesmo porque aquele não era o objetivo do grupo, pois o que se queria ali era apenas louvar a Deus. Pelo menos, a intenção era essa.
    Porém, ao se sentir acolhida Marly pensou que podia abrir seu coração e deixar sair coisas que, muitas vezes, não ousaria. A aproximação de certas pessoas que ela admirava, o contato direto e, aparentemente, íntimo e franco a fez pensar que estava entre amigos e entre irmãos, como gostavam de dizer. Assim ela sentiu-se forte para confessar, num dia de conversa "aberta e descontraída", a sua opção sexual:
- É que, para falar a verdade, eu sou homossexual - confessou ela, emocionada, pensando que iria encontrar o apoio e a compreensão que tanto procurava e precisava.
    Foi o bastante para que ela passasse a não ser mais bem-vinda no grupo. Quando chegava já não era recebida com o entusiasmo de antes; quando tentava dar sua opinião ou falar alguma coisa já não era ouvida e nem sua companhia era mais requisitada. Sentiu mesmo que as pessoas a estavam evitando. Inicialmente, ela não entendeu o que estava acontecendo, chegou a pensar que tinha feito alguma coisa errada, ofendido alguém. Não conseguiu descobrir o porque daquela hostilidade tão repentina. 
     A partir daquele momento, Marly começou a fazer sua viagem de volta ao mundo fechado, escuro e sombrio que habitava antes. Aos poucos foi diminuindo suas idas aos encontros do grupo, até que um dia não apareceu mais. Para seus antigos "amigos" um alívio, afinal aquela pessoa que incomodava com seu jeito "diferente" já não estava mais por perto. Para ela, a certeza de que só era aceita enquanto mantinha em segredo sua verdadeira identidade.