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julho 11, 2012

"A visita"

     Há alguns anos, quando perdi a minha mãe, recebi a visita de uma ex-professora que viera me consolar pela irreparável perda que eu havia sofrido. Jovem de mais para entender aquilo que estava acontecendo, fui desfiando um rosário de reclamações no ouvido da professora que ouviu pacientimente os meus queixumes. Senti como se tivesse me desabafando, botando para fora todas as dores de um coração magoado por "terem" lhe arrancado a mãe daquela maneira tão brusca.
     Faço aqui um parenteses para falar do quanto a morte é definitiva e repentina, principalmente nos casos em que ela chega sem o conhecido (nem por isso bem-vindo) aviso da doença e quem está ao lado vai meio que se preparando para o ato final. No caso de minha mãe foi de forma repentina: um ataque cardíaco. Por isso, talvez, a minha atitude de incompreensão diante da mudança de situação. De uma hora para outra eu tinha mãe e logo em seguida era um órfão.
     Voltando à visita da professora, depois de me ouvir ela falaria o que eu nunca iria esquecer:
- Tudo bem, acredito que você , seu pai e todos os seus irmãos estejam realmente sofrendo com a morte de sua mãe, mas vamos pensar uma coisa: por que você sente tanto a falta dela? Por que ela fazia a  comida, lavava a roupa, cuidava da casa, de você e seus irmãos? Isso qualquer um pode fazer. Não precisa ser sua mãe.
     Creio que a professora  tinha a melhor das intenções. Talvez ela quisesse diminuir a minha dor, mas a "visita" terminou ali.  Um certo constrangimento passou a dar o tom. Para dizer a verdade, cheguei a ficar chocado. Achei mesmo ter sido vítima de uma grosseria sem limite e, como já disse acima, para nunca mais esquecer. Na minha cabeça uma coisa era certa: eu tinha acabado de perder a minha mãe e me achava com todo o direito de estar triste e chateado.
     Porém, o tempo passou. Essa história ficou lá para traz, eu me espiritualizei um pouco mais e passei a ver as coisas por um outro prisma. É claro que ainda não cheguei a compreender a fala da professora, contudo, aprendi que as pessoas têm um tempo certo para ficar aqui na terra e que quando chega a hora não há desculpa. Seja mãe, pai, filho, irmão, amigo, conhecido ou desconhecido a partida, a separação, ausência é certa.
     Por isso, toda vez que vejo pessoas reclamando a perda de seus ententes queridos ( principalmente, aqueles que morrem em acidentes aérios e tragédias ) e, com isso, cobrando altas indenizações baseado na importância que essas pessoas tinham para elas financeira e afetivamente, acabo me perguntando se elas receberam a "visita" da ex-professora para questioná-los. Fico imaginando que a dita professora perguntaria para elas:
- Por que você queria essa pessoa viva?  Ela só servia para pagar as suas contas, fazer-lhe companhia, levar você para a escola, para passear, para cuidar de você?
     Ela terminaria a conversa dizendo, como disse para mim, que temos que dar o direito às pessoas de morrerem, de partirem. Que ninguém vêm ao mundo apenas para garantir a nossa sobrevivência, para nos dar vida boa.
     Provavelmente, ela ficaria chocada, por exemplo, ao ouvir um pai dizendo que sente falta do filho porque ele era quem o levava ao médico todos os meses e que depois do acidente aério que o matou, ele espera todos os dias que ele apareça para levá-lo a consulta e se que nega a ir sem o filho. Coisas da vida que a nossa racionalidade tende a classificar como absurdas.
     O tempo me mostrou que cada pessoa trabalha suas perdas de maneira diferente, própria. Uns vão sentir a falta do provedor, outros da companhia, do afeto, do cuidado, da mão sempre estendida, da palavra amiga, outros da simples presença. Uma coisa é certa: seja o motivo que for, todos queremos nossos entes queridos eternamente do nosso lado. Vivos e de carne e osso. E falem o que quiser falar.

julho 05, 2012

Onde anda a sinceridade?

     Virou moeda corrente nos nossos dias a ideia de que não vale a pena ser sincero, que sinceridade é falta de educação, que nunca, nem sob tortura, devemos usar dela nos nossos relacionamentos sociais.  Assim, acreditam, podemos ficar bem com todo mundo e manter as  amizades, interesses profissionais e até mesmo os relacionamentos amorosos.
     Sei que está longe de ser algo ruim querer evitar de sair por aí jogando verdades na cara de mundo e ficar criando constrangimentos a cada palavra ou frase proferida. Nosso objetivo, sobretudo em sociedade, é manter bons relacionamentos, amizades duradouras e ser benquisto, não é? Quem não quer se dar bem com todos e ser aquela pessoa "fofinha" que todos querem ter por perto? E claro que todo mundo. Até eu.
     Mas será que vale mesmo estar sempre, ou quase sempre, sendo falso e dizendo exatamente o contrário daquilo que estamos pensando apenas para ficar "bem na foto"? Não estaremos nós sendo falsos e hipócritas em tempo integral e abrindo mão de levar uma vida baseada na verdade e na sinceridade? Qual o motivo real de optarmos por tantas mentiras bem intencionadas que não levam a nada mais  que relações frias, vazias de sentimentos autênticos?
     Talvez essas perguntas não tenham respostas imediatas e nem tão cedo possamos respondê-las. Porém, convido a que reflitam sobre o tema e vejam quantas vezes optamos por assumir uma postura um tanto dissimulada apenas para gerar controvérsias ou magoar a pessoa com que estamos convivendo. Acabamos, muitas vezes, concordando com quem estamos falando apenas para dar por encerrada a conversa e não ter que expor nossos pontos de vista conflitantes.
      Em nome da "boa convivência" guardamos para nós nossas opiniões e damos a resposta que achamos que a pessoa queria ouvir, falamos apenas aquilo que pode agrada. Afinal, não é de bom tom ficar criando polemicas por aí, não é? Reza a lenda que: "em boca calada não entra mosca". E assim seguimos a vida. "Todo mundo tem telhado de vidro", diz outro ditado.
      O que fica disso tudo são relacioamentos sem verdade. Acostumamos a ouvir e a falar meias verdades e qualquer coisa contrária a isso representa conflito, guerra. Estamos perdendo a capacidade de ouvir opiniões diferentes das nossas, pois só queremos saber daqueles que dizem "amém" a tudo o que apresentamos. Com isso, nascem os grupos, as faxões, as gangs. Quem pensa diferente é inimigo, quem não concorda deve ser evitado ou deletado de nosso grupo de relacionamento.
      E assim segue a vida nesses tempos de relacionamentos virtuais. Ops! Será que fui sincero de mais?

junho 30, 2012

O papel das religiões.

     É praticamente de consenso geral que as pessoas têm necessidade de ter alguma crença para poder viver neste mundo tão conturbado em que vivemos. Difícil pensar como é possível alguém viver sem acreditar em alguma coisa. Dá-se a impressão de que essa pessoa viva num eterno vazio, pois é preciso crer que esse nosso mundo foi criado por uma inteligência maior e que por conseguinte também criou a nos seres humanos e tudo mais que há.
     É isso que nos ensinam, .não é mesmo? Aprendemos desde cedo até os detalhes de como Deus criou o mundo. Basta ler a Bíblia, mais precisamente o livro da Gênese, para saber de tudo isso. Só que enttre o Criador e nós existem as religiões, ou até mesmo para ser preciso, existem as igrejas. A elas cabem o papel de conduzir a fé do povo e tornar, digamos, mais fácil a ligação entre as pessoas e Deus.
     Há quem ache isso discutível, que não temos necessidade de frequentar uma igreja ou religião para manter esse contato. Podemos, acreditam muitos, manter estreito relacionamento com Ele sem nos ligarmos a nenhum tipo de confraria. Sempre achei que isso fosse um certo escapismo de quem não acredita, uma forma de se justificar por não professar publicamente, ou  mesmo interiormente, nenhum credo e não correr o risco de ter pregado em si a pecha de ateu, agnóstico.
     Porém, o tempo foi passando, fui adiquirindo mais experiência de vida e tenho pensando muito nesse assunto. Quem segue algum de tipo de religião, seja ela qual for, deve estar entendendo o que estou querendo dizer com mais facilidade, até porque os que não seguem nenhuma já devem saber isso de cor e salteado.
     Tenho estado muito assustado com o relacionamento que as igrejas têm proposto entre elas (as igrejas), Deus e nós (os seguidores). Tenho percebido que est[ao todos um tanto quanto perdidos, sem saber muito do que falam e porque falam. Qualquer coisa se fala em proibição, em condenação, isso pode, aquilo não pode. Sempre baseiam tudo em explicações frouxas tanto para o que pode tanto para o que não pode. Não há muito coerência e sim um pragmatismo extremado: se o Papa ou alguma outra autoridade da igreja ou seita diz que pode, pode. Se por outro lado disse que não pode, não pode. Não se descute,cumpre-se. É assim na igreja católica, nas evangélicas, no espiritismo, no Candomblé onde quer que existam as conhecidas "autoridades".
     Não que eu seja contras essas autoridades, apenas acho que no caso das igrejas cristãs estamos cada vez mais distantes dos verdadeiros ensinamentos propostos pelo cristianismo. Todos sabemos que é bastante complexo entender exatamente o papel que as religiões desempenham na vida das pessoas, mas um papel nós sabemos que elas têm que é o de ligar o homem ao Pai e isso não pode ser feito baseado em regras estapafurdias e ritos vazios onde quem segue é considerado bom e quem não segue não merece salvação.

junho 23, 2012

Conviver: verbo difícil de conjugar.

     Ninguém tem dúvida de que conviver é um verbo de difícil conjugação. Não por apresentar anomalias que levem o falante a ficar sem saber se está falando certo ou errado. Não é isso. Conjugar o verbo, no caso, significa o dia a dia junto com outra (ou outras) pessoa. Passar com essa pessoa grande parte de seu dia ou mesmo encontrá-la apenas algumas, mas obrigatórias, horas.
     Creio que já me fiz entender. Não estou falando daqueles relacionamentos que escolhemos, daquelas pessoas com as quais estamos por que queremos. Falo daquelas convivência, digamos, forçadas. Seja em casa, no trabalho, no transporte, na igreja, não importa. Essas pessoas surgem nos lugares mais inopinados e quando vemos estamos convivendo com alguém desagradável e que sua simples presença nos suscita sentimentos com os quais não estamos acostumados a ter.
     Quando isto ocorre em lugares que podemos frequentar ou não e que deixar de fazê-lo não nos trará grandes problemas, é aparentemente fácil de resolver. Paramos de ir àquele lugar ou mesmo mudamos nossos horários, dias o que for para evitar que ocorram encontros com a dita pessoa. Afinal, todos os lugares são franqueados a todo mundo. Vivemos num mundo livre e todos têm direito de ir e vir, não é mesmo?
     Só que tem casos em que a coisa não é tão simples assim. Já pensou, apenas para dar um exemplo, que você se matricula  num curso que sempre sonhou em fazer e de repente se depara com um professor(a) com quem você não simpatizou-se por mais que tenha se esforçado? Chato, não é? Você esperou a vida toda e quando achou que era a hora certa de realizar o seu sonho se depara com alguém que parece estar disposto(a) a destruí-lo.
     Com certeza, não é fácil encarar uma situação dessas. Dá vontade de jogar por terra toda a sua educação e partir logo para a ignorância, abandonar o seu sonho, esperar por outra oportunidade ou fingir que não está acontecendo nada e continuar firme. Bem, cada um tem a sua reação e ninguém tem dúvida de que a melhor saída sempre é o diálogo, mas todos sabemos que em alguns casos é quase impossível. Muitas vezes quando se tenta conversar é que a coisa toma proporções inesperadas, tornando o convívio muito mais difícil.
     O jeito é manter a calma e analisar bem a situação. Se não for mesmo possível "conquistar" aquela pessoa e acabar com o clima ruim, o importante é lembrar que ninguém tem poder de destruir os nossos sonhos, planos, desejos. Devemos sempre manter acesa nossa fé em nosso potêncial e capacidade. Ao mesmo tempo, ninguém é obrigado a gostar de nós e nos tratar com simpatia. Porém, uma coisa é certa: todos devem ser tratados com respeito e consideração, independente de qualquer coisa.

junho 19, 2012

Por trás de sorrisos e afagos.

     A arte teatral tem como marca duas máscaras: uma triste representando o drama e outra alegre representando a comédia. Aparentemente tudo parece muito fácil, não é? Mas não é bem assim. Essa foi uma forma encontrada de, digamos, simplificar as coisas. Afinal de contas, não nos dividimos apenas entre alegres e tristes. A gama de máscaras é muito  maior. Somos bem mais complexos e capazes de assumir as mais diferentes feições, algumas deles que nem nós mesmos podemos identificar a olho nu.
     Sei que você deve estar se perguntando: "Mas onde, diabos, ele quer chegar com esse papo? Calma. Eu explico: Além de ser ator e saber da infinidade de máscaras existentes, eu andei convivendo com pessoas que embora jurem por Deus que não são atores e que jamais pensaram em exercer essa profissão milenar, sabem como ninguém usar da grande gama de possibilidades oferecidas pela arte de representar. São os craques da arte da dissimulação.
     Na sua frente dizem maravilhas e se mostram capazes de qualquer coisa para lhe ajudar, agradar ou seja lá o que for.. Só que quando chega na hora.... Bem quando chega na famosa hora "h" a coisa  desanda. Tudo o que foi dito inicialmente é imediatamente esquecido e as dificuldades que antes nem poderiam ser imaginadas passam a linha de frente e tudo, mas tudo mesmo, passa a ser impecílio. E não pense você que são "coisas de outro mundo", nada disso, são bobagens como: "eu até tinha de dito que estava tudo certo, mas a minha gatinha, sim, a gatinha amanheceu doentinha e eu não tenho  com quem deixá-la".
     Pera lá, mas ninguém tinha falado, em momento nenhum, que existia uma "gatinha" no meio da historia. Muito menos uma gatinha doente. Aí, vem aquele pensamento: "Esse (a) cara tá tentando furar com você e resolveu usar a mais descabida das desculpas. Não dá outra: aquele compromisso importante que você tinha com aquela pessoa vai furar e você é trocado por uma gatinha doente.  Mada contra animais,  doentes ou não. Sei que você, apaixonado(a) por gatinhos (aquele animalzinho de quatro patas tão simpático), deve estar me achando um monstro, mas espero que você nunca tenha enfrentado a situação de ter uma compromisso furado em cima da hora.
     Nessa hora, dá uma vontade de partir para o pau e dizer um monte de verdades que a figura bem estava merecendo, mas sabe o que eu fiz? Nada. Aceitei a desculpa e parti para tentar resolver o problema de outra maneira. Claro que fiz me valer das tais máscaras. Nessas horas elas valem mais do que quando a gente está em cima de um palco. Até porque quebrar o pau no palco pode valer prêmio, mas  vida real você passa mesmo é por louco e mal educado e outra coisas mais. E a vida segue.

junho 15, 2012

Mãos.

     As mãos sempre foram uma parte do corpo que estiveram em destaque. Através delas muitos gestos se efetivam, muitas intensões são passadas, acima de tudo elas falam. Desde simplesmente estendê-las na direção de alguém em sentido de ajuda e apoio, mas também podem ser as mãos de batem, maltratam, ou seja, elas estão presentes nas situações mais diversas.
    Quem vai dizer que não é bom quando se está "caído" vislumbrá-las estendidas oferecendo aquela tão necessária ajuda? Muitos estão, nesse momento, à espera de que alguém faça esse gesto concreto em sua direção. Por falta dele muitos, incapazes de levantar por si mesmos pelos mais diferentes motivos, permanecerão estendidos no chão até que elas cheguem bondosas e salvadoras.
    Todos nós, vez ou outra, precisamos de uma "mãozinha", um "empurrãozinho" seja dos amigos, parentes, de conhecidos ou desconhecidos e dela: da sorte. A mãozinha da sorte é sempre esperada por todos. Ninguém é bobo de dispensar essa "mão" tão sonhada, desejada, mentalizada.
     Tem também a mão amiga, o trabalho a quatro mãos e algumas expressões bastante usadas no nosso dia a dia como: "me da uma mãozinha aqui". Trocando em miúdos, a mão está sempre presente em nossas vidas. Lembra  dos casais apaixonados andando de mãos dadas, a criança que é levada pela mão a dar os seus primeiros passos antes de ser capaz de andar por conta própria?
     Tudo isso coloca as mãos como símbolo máximo de ligação entre os seres humanos. Não é à toa que sempre que queremos nos unir num pensamento único alguém logo sugere que todos deem-se aos mãos.  Ou mesmo quando alguém pede que segure a sua mão num momento difícil que se está enfrentando. Assim se efetiva a união necessária em momentos cruciais da vida. As mãos dadas como símbolo de força. Através delas passamos energia, damos conforto, calor humano.
     Infelizmente, esse mesmo simbolo de amor e união também é usado para maltratar e destruir. Essas mesmas mãos podem bater, prender, matar. A decisão é de cada um. Por isso, temos liberdade de escolha, liberdade de ação.
    Que as mãos sejam apenas motivo de alegria e mensageiras de bons e construtivos gestos de paz, amor, compreensão, tolerância, respeito, solidariedade. Que sejam mãos que plantam, que semeiam, que irrigam solos secos e estéreis transformando-os em solos férteis onde tudo de bom se dá em abundância.

junho 09, 2012

"Meus inimigos me tratam melhor que você".

     E claro que a afirmação acima vinha recheada de uma boa quantidade de exagero. Na verdade, a coisa não chegava a tanto, mas também não estava longe assim. Ele não era exatamente o que se podia chamar de um gentleman. Ou até era. Só que com as pessoas da rua, aquelas que ele não conhecia ou as que via ocasionalmente como vendedores de loja, garçons, atendentes de lanchonetes, recepcionistas e até guardas de trânsito. Com todos Jurandir era um amor de pessoa. Não havia quem não comentasse:"como esse moço é educado."
     Com Meire, porém... Bem, melhor deixar a própria Meire falar:
- Conheci o Jurandir quando estava na faculdade. A gente fazia parte da mesma turma e ele sempre me chamou a atenção por ser muito calado, tímido mesmo. Aos poucos fui me aproximando dele e começamos um relacionamento. No início ele me pareceu educado, gentil. Mas com o tempo ele foi mostrando que não era bem isso. Passou a se mostrar irritado por qualquer coisa, a fazer grosserias. Depois ele pedia desculpas e dizia que não iria fazer aquilo de novo. Só que...
     Bem, Jurandir voltava a fazer grosserias, Meire ficava chateada e terminava o namoro. Jurandir chorava e prometia que aquela era a última vez. E assim os anos foram passando. Jurandir e Meire se casaram, tiveram filhos e Jurandir continuou o mesmo. Até que Meire, já não aguentando mais aquela situação, passou a questionar a sua relação com Jurandir. Afinal, o que era aquilo? Por que ela se submetia àquilo? Meire nunca foi uma mulher bonita, ela mesma sabia disso, mas por outro lado nunca foi de se jogar fora. Antes de Jurandir conheceu outros rapazes, teve vários namorados e chegou a dar o fora em alguns.
     Baseado nessas evidências, ela resolveu encarar Jurandir e botá-lo contra a parede. Não estava mais disposta a manter um relacionamento baseado nos humores do marido. Até porque ela sabia que esse comportamento era mais em casa com ela e os filhos e que na rua ele era  diferente. Seria o marido  um "bipolar"?
     Independente de qualquer coisa, Meire passou a questionar seriamente o comportamento do marido e reparar entre suas amigas e colegas se seus companheiros também tinham aquele tipo de atitude. E qual foi a sua surpresa? Muitas tinham as mesmas reclamações não só de seus maridos ou companheiros, mas também de relacionamentos comuns do dia a dia. Descobriu que era frequente esses maus tratos entre pessoas próximas. Em muitos casos, era até um hábito.
     Uma de suas amigas relatou que tinha sérios problemas com os irmãos, que a maltratavam toda vez que ela se aproximava de algum cara. Outras eram os pais, tios, amigos, namorados, chefes. Foi então que ela percebeu que muita gente confunde as estações, acham que por gozar da intimidade e ser muito próximo daquela pessoa não precisa ser gentil, educado, cavalheiro. Quanto mais longos os relacionamentos, mais grosserias e faltas de educação.
     Para Meire, as coisas não deveriam ser assim. Tanto que ficou pasma quando descobrir que tinha amigas que também tinham esse tipo de comportamento. Aí, ela botou a mão na cabeça e pensou que a coisa era mesmo séria.
- Tratam os inimigos melhor do que tratam os amigos - pensou ela - Isso não pode ser assim.
     Chegou a pensar em criar uma espécie de associação ou ONG para tratar do assunto. O lema seria "abaixo as grosserias, todos unidos pelos bons tratos e pela gentileza". E claro que a ideia não saiu da cabeça, mas ela a botou em prática em casa com o Jurandir. Teve uma conversa franca onde  colocou para fora todas as suas queixas:
- Há anos venho aturando esses seus humores, sua grosseria, suas patadas, seus silêncios. Não dá mais. Desse jeito é melhor a gente se separar. Até um inimigo me trataria melhor do que você. O que foi que eu te fiz para merecer isso?
     Diante disso, tudo o que se viu foi um Jurandir assustado e amedrontado. Meire nunca tinha falado daquele jeito com ele. O que estava acontecendo? - ele se indagava - Mas Meire continuava esbravejando, gritando. Estava possessa. Não queria mais viver aquela situação. Era preciso dar um basta. Já estava começando a fazer as malas quando viu Jurandir ajoelhar-se aos seus pés e pedir desesperado:
- Não vá. Não me deixa.
- Acabou. - respondeu ela.
- O que está acontecendo?
- Você ainda pergunta.
     O diálogo continuou e Jurandir acabou confessando que se comportava daquele jeito estranho porque achava que Meire só gostava dele por isso. Foi assim que ela o conheceu.  Ele tinha medo de mostrar a sua verdadeira face - um cara gentil e alegre - por medo de que ela não gostasse mais dele. Por isso, tinha um comportamento em casa e outro na rua. O que Jurandir tinha era medo de demonstrar que depois que conheceu Meire já não tinha mais motivos para ser aquele casmurro que ela conheceu. Desfeito o engano, o casal vive feliz e alegre até hoje.