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agosto 19, 2011

O homem descrente.


    Dizem que ele já teve muita fé, já acreditou em seu semelhante e durante muito tempo pensava que as coisas iriam dar certo. Era só uma questão de tempo. Naquela época ele dizia que o homem (a humanidade inteira, para ser exato) estava predestinado a encontrar o caminho do bem e dele nunca mais se desviar. Ele, mais do que acreditar nisso, esperava por isso, ansiava por isso. Em suas conversas quase sempre falava desse dia, quando todos teríamos o mesmo e único propósito, ou seja, a busca da paz, a harmonia entre os povos.    
      Muitos o chamavam de louco, mas ele permanecia firme na sua crença: o homem era um ser bom por natureza e tudo o que ele fazia para contrariar esse fato, era apenas por desconhecimento, ignorância.  Assim que ele abrisse seus olhos, ele veria o quanto tempo tinha perdido longe do caminho e feliz o tomaria e seguiria em frente sem olhar para trás. Era tudo uma questão de tempo.
     Assim ele viveu durante anos. Não importava se todos à sua volta fossem descrente e nada fizessem para confirmar a sua crença.  Parecia que sua fé no homem nunca acabaria. As pessoas o admiravam por essa fé inabalável e ele retrucava dizendo que não que fazer nenhum esforço para isso, bastava acreditar, apenas acreditar. Ter confiança que a luz chega sempre. A luz do conhecimento que nos tira das trevas da ignorância.
     As vezes acontecia uma coisa e outra, mas ele tentava não ver somente o lado ruim das coisas. Chegou acreditar que as guerras serviam para fazer o homem entender que elas não eram necessárias. A cada guerra terminada, ele dizia que aquela poderia ser a última guerra, a  última lição difícil que a humanidade teria que enfrentar para descobrir ou finalmente entender que a lição do "amai-vos uns aos outros" era a única saída para resolver qualquer conflito.  Dali em diante o homem abriria mão de armas e bombas. Da guerra nasceria o amor, o perdão, a compaixão, a união.
    Porém, com o passar dos anos ele foi ficando decepcionando com o seu semelhante. Guerra após guerra, conflitos sem muita razão de ser, apenas intransigência ele foi ficando descrente. No início nem ele entendeu o que estava acontecendo: nunca tinha experimentando aquele sentimento. As pessoas à sua volta logo perceberam. Ele desconversava ou apenas se calava. Por dentro, algo morria nele. Sua fé definhava, agonizava. Ele se sentia sufocado e quando sentiu que ia desfalecer deu um grito:
- Eu preciso voltar a acreditar!
    Hoje ele vive por aí fazendo um esforço enorme para voltar a ter fé. Olha as guerras que continuam acontecendo sem nenhuma razão que não seja a intransigência, a corrupção, as falcatruas, a intolerância, a ganância que gera famintos e desabrigados, a irresponsabilidade de pais e governantes que gera crianças nas ruas roubando e mendigando, chacinas, drogas e continua dizendo:
- Eu preciso voltar a acreditar

agosto 13, 2011

Cuidando do nosso quintal.

     É bem verdade que muitas vezes não tem outro jeito: a gente dá aquela derrapada e se não se segurar  acaba mesmo indo ao chão. Ninguém está livre disso. Afinal, vivemos num mundo bastante conturbado em que precisamos fazer muito esforço para se manter de pé. Não bastassem os nossos próprios problemas, temos também que enfrentar os problemas de nossos familiares, amigos, vizinhos, da nossa cidade, país e aqueles que nos vêm através dos adiantados meios de comunicação dos quais dispomos hojee em dia. Por isso, não há nada que aconteça em qualquer parte do mundo que minutos depois já não esteja presente em nossas vidas: tragédias de todo tipo que nos abalam como se tivessem acontecido com pessoas próximas a nós. Não há como ficar indiferente, não é?
     Essas são as vantagens e desvantagens do progresso tecnológico. Ficamos todos unidos para o bem e para o mal. Não há mais cercas que separam as nações e povos. O mundo virou um grande quintal. De nossa janela temos uma visão de tudo e, dependendo de nossa vontade, equipamento e tempo, podemos estar sempre conectados às coisas boas e ruins que acontecem a todo momento. O que não posso deixar de dizer é que isso é muito bom. Essa proximidade fez com que caíssem muitos mitos e que percebêssemos que afinal somos todos muito parecidos. Isso para não dizer que somos todos iguais. Mas essa é uma longa história, o que quero mesmo é falar do efeito que isso tem sobre a nossa confiança e a nossa fé. Aquilo que precisamos manter para continuar vivendo. Aquela chama que não pode se apagar.
     Não se pode negar que é difícil permanecer firme e confiante o tempo todo quando tudo à nossa volta parece nos convidar ao desespero ou à apatia. Talvez toda essa busca pelo que acontece fora de nós esteja fazendo com que nos esqueçamos de nós mesmos. Olhamos tanto para o quintal do vizinho que esquecemos de cuidar do nosso próprio quintal .Quando damos por si, o nosso quintal está cheio de erva-daninha. Já não conseguimos andar por ele ou mesmo identificar o que havia nele antes de passarmos a olhar mais para o exterior, para o que está fora dele do que para ele propriamente. Esquecido, abandonado nosso quintal clama por cuidados. Talvez não seja necessário contratar alguém para fazer esse serviço. O ideal seria a gente mesmo cuidar do nosso quintal com carinho e atenção. Embora possamos aceitar ajuda dos outros, é claro. Alguém já disse que ninguém é uma ilha, não é?
     Quem sabe não podemos transformar nosso quintal num belo jardim onde os pássaros e outros animais venham habitar? E com isso nos transformaremos em pessoas mais fortes e confiantes capazes de sair por aí com um sorriso estampado no rosto dando graças por estar vivo e participando do grande acontecimento que é a vida. Assim, se quedas acontecerem, servirão apenas como trampolins para que levantemos e sigamos em frente.

agosto 05, 2011

Exemplos de vida

     Estou longe de ser (embora faça um considerável esforço nessa direção) a pessoa mais agradecida do mundo. Vira e mexe e lá estou eu fazendo algum tipo de reclamação por esse ou aquele motivo. Geralmente trata-se de pura bobagem. Coisas sem a menor importância. Mas o bastante para fazer aflorar o espírito reclamador que habita nas minhas profundezas. E nem é preciso que aconteça nenhuma grande tragédia. Basta um simples espirro para que eu me ache o mais infeliz do mundo. 
   Exageros à parte, espero que com você  seja diferente: que você seja uma pessoa extremamente positiva e que viva agradecendo cada minuto de sua vida. Aliás, que você veja a vida como uma sucessão de milagres, que o próprio fato de existir seja um milagre que para você. Mas caso não seja, se você também às vezes se pegue reclamando da vida por qualquer motivo como eu, lhe convido a fazer algo que tenho feito nos últimos tempos e que tem sortido efeito comigo.
     De uns tempos para cá tenho prestado mais atenção nas pessoas com as quais cruzo na rua. É claro que a maioria é feita de pessoas, digamos, normais. Pessoas que têm corpos aparentemente perfeitos, são até bonitas, bem vestidas, que andam apressadamente ou não, que falam, que riem, que sabem para onde estão indo ou pelo menos assim acreditam. 
     Por outro lado, há também aquelas que apresentam a outra face da moeda. São aquelas que estão em cadeiras de roda, os cegos, mudos e surdos, os que andam com dificuldades, enfim uma gama de pessoas que num olhar apressado e até, por que não dizer, preconceituoso teriam motivo de sobra para ficarem em casa reclamando da vida e que, ao contrário disso, lutam pelo direito de sair às ruas na busca pelo seu pão de cada dia ou simplesmente pelo direito de existir, de fazer parte deste mundo e influir nele. Nadando contra a maré, elas saem de suas casas todos os dias e enfrentam calçadas irrelugares, ônibus que não são adaptados para elas, escadas ( e como existem escadas, meu Deus!) , elevadores quebrados, sinais de trânsito que as ignoram (não existem sinais de trânsito sonoros, por exemplo. Eles seriam de grande utilidade para os deficientes visuais), ruas movimentadas. gente mal educada e um número sem fim de impecílios.
     Particularmente,  não conheço nenhuma pessoa que viva esse tipo de situação, mas me considero amigo de todas as que eu encontro pelo caminho. Tenho por todos uma admiração muito grande. Toda vez que cruzo com um cadeirante, um deficiente visual ou qualquer outra pessoa portadora de necessidades especiais fico imaginando o esforço que ele teve que fazer para sair de sua casa e estar ali participando da construção da vida em sociedade. \Por isso, boto a mão na consciência e reflito:
- Do que é que eu estou reclamando?
A resposta vem redondinha:
- De nada. De barriga cheia, para ser mais exato.
E isso faz com que eu me sinta fortalecido e mais agradecido. Cada uma dessas pessoas são um exemplo e um estímulo para que eu siga minha vida sem me abater e sem achar que pequenas dificuldades possam me deixar caído à beira do caminho. \O exemplo delas me impulsiona a continuar seguindo em frente. Muito obrigado pela lição de vida.

julho 31, 2011

Não se deixe enganar.

     Alguém já disse que nós, embora juremos que somos uma única e só pessoa, somos, na verdade, várias pessoas ao mesmo tempo, que em cada lugar ou situação nos apresentamos de uma maneira diferente, de acordo com a necessidade do momento. Seria algo como dizer que somos de duas, para ser exato de várias, caras. O que também pode ser interpretado como falta de personalidade e até mesmo falta de caráter. E isso não agrada a ninguém, não é? Quem gosta de ser visto como alguém em quem não se possa confiar? Ninguém.
     Tem uma peça do Miguel Falabela que tem um título bastante apropriado: "Todo mundo sabe o que todo mundo sabe". E acredito que isso seja verdade. Não conseguimos enganar ninguém.  Apesar disso, não é demais dizer que estamos sempre vivendo como se fosse o contrário. Só nós sabemos o que nos vai na alma.  É como se fechássemos os olhos e conseguíssemos nos esconder do mundo: se não me vejo, não sou visto. É por isso que todos os dias vestimos nossas fantasias e saímos por aí, certos de que conseguimos representar bem o nosso papel de anônimos na multidão.
    Longe de querer alimentar uma discussão sobre a natureza humana, coisa que acredito seja mais afeita a filósofos e assemelhados e não para um simples blogueiro metido, o que quero mesmo é falar sobre uma das nossas maiores capacidades: que é a da percepção. Através dela somos capazes de entender o mundo que está à nossa volta, principalmente quando se trata das nossos relacionamentos.
   Posso afirmar que só nos deixamos enganar quando queremos. Ao conversar com uma pessoa temos capacidade de saber se o que ela diz é verdade ou se ela está  apenas tentando nos tapear. Se nos deixamos levar por alguma "conversa fiada" é por outras questões que não cabe agora discutir, mas não pelo fato de que não notamos a enrolação.
   Quando alguém que você não conhece te para na rua e oferece um jogo premiado da loto (ou qualquer outro jogo, objeto de valor, etc) que ela não pode receber porque tem que viajar às pressas e não dá tempo de ir até o local de recebimento e então lhe passa o mesmo por um valor bastante inferior ao prêmio, não dá para pensar que aquela pessoa possa estar falando a verdade. No mínimo estaria louca, não é? Não há justificativa aceitável nesse mundo para alguém abrir mão de um prêmio alto por uma mixaria qualquer. Particularmente, acho difícil acreditar em tanto desprendimento e mesmo que essa pessoa não tenha alguém da sua confiança (um parente, talvez) que possa ajudá-la e tenha (veja que sorte a sua) escolhido justo você para transferir seu bilhete premiado. Justo a  sorte que todos perseguem tanto. Como nada vem de graça nessa vida (e aí está o nó da questão), devemos lembrar de que se deve pagar por isso, na verdade, pagar por nada.
    Usei o fato acima para dar uma ideia do quanto nos deixamos enganar apenas por em algum momento achar que somente nós estamos vendo e que ninguém mais vê. Portanto, como dizem os ditos populares: um olho no padre e outro na missa; um olho no peixe e outro no gato; confiar desconfiando e muitos outros que a sabedoria popular nos brinda. O que não se pode e outra vez usando a sabedoria do povo é "pagar para ver". É por isso que muitas vezes acabamos nos dando mal. Mais do que qualquer coisa, o importante é nos conhecermos bem e usarmos todas as nossas capacidades e saber que todos à nossa volta, para o bem e para o mal, gozam das mesmas faculdades.
  

julho 29, 2011

Você gosta de mim?

    Desculpe se a pergunta parece assim, digamos, um tanto invasiva e fora de hora. Não se preocupe. Você não tem, necessariamente, que respondê-la se não quiser. Ela serve apenas como abertura para um assunto muito comum entre as pessoas do mesmo grupo social.  Vira e mexe ela aparece tal como se estivéssemos num tribunal (isso para não dizer que a sensação é de estar na Idade Média diante dos inquisidores do Santo Ofício) e precisássemos ser o mais sinceros possível. Aí surgem respostas como:
- Bem... gosto.
- É claro que eu gosto.
- Você está duvidando?!
Elas não costumam traduzir exatamente aquilo que estamos pensando porque, além de inusitada, a pergunta geralmente surge quando quem a faz está bastante inseguro e já meio que sabe que a resposta deve ser negativa. Do contrário, ela nem teria sido feita, não é mesmo? Essa pergunta é um sintoma de que há dúvida, de que não se tem certeza (talvez nunca se tenha) dos sentimentos que desperta nos outros.
    Não é nossa intenção deslindar a intrincada rede que envolve os sentimentos humanos, mas sim falar de algo que nós todos temos: a capacidade de perceber tudo aquilo que nos é endereçado.   Esses sentimentos podem ser bons ou ruins, não importa, nós somos capazes de percebê-los. É claro que uns mais e outros menos, porém não há dúvida de que somos capazes.
    Apesar disso, o que nós fazemos, muitas vezes, é nos enganar. Por uma questão de não querer aceitar a verdade, querer se proteger, nos deixamos levar pela ideia (quase sempre falsa)  de que aquela pessoa (ou grupo de pessoas) pode estar confuso e que logo vai perceber a pessoa maravilhosa que a gente é e...
    Bem, pode até ser que tenha muita gente enganada por aí e que, por isso, ainda não tenham notado o quanto a gente é legal e coisa e tal, mas deveríamos, na minha opinião, dar menos atenção às palavras vazias que muitas vezes ouvimos e acreditar mais nas nossas intuições. Elas são uma arma poderosa contra os enganos que se pode cometer pela vida a fora. Aprender a ouvir a nossa voz interior e nos deixar guiar por ela, não faz de nós juízes a julgar esse ou aquele, se serve ou não serve. Apenas nos deixa mais preparados para enfrentar a possibilidade (bastante natural, inclusive) de que alguém que queremos perto de nós não aceite a nossa companhia por qualquer razão que seja.
   Nas nossas relações levamos muito em consideração tudo aquilo que é afirmado em alto e bom som. Não que as pessoas estejam sempre mentindo quando dizem que gostam umas das outras. Nada disso. Há muita gente que tem mesmo essa necessidade de verbalizar o tempo todo aquilo que está sentindo. Nada contra isso. Pelo contrário, temos mesmo que, como se diz popularmente, colocar para fora nossos sentimentos e ser feliz.
   Só que, se déssemos mais ouvidos às nossas impressões, aquelas coisas que nós sentimos e que muitos botam na conta de "esquisitices", "coisas de maluco" que no fundo são a voz da experiência (mesmo para aqueles que julgam não tê-la) falando em nós, não precisaríamos ter tanta dúvida quanto aos sentimentos que as pessoas nutrem por nós. Bastaria procurar perceber a forma como elas nos recebem, como atendem as nossas chamadas telefônicas e se nos incluem ou não em seus programas, se se sentem felizes com a nossa presença e se estão sempre inventando algum motivo para irem embora, enfim tudo aquilo que as pessoas direcionam a nós. Daí é só tirar nossas próprias conclusões.

julho 26, 2011

Território demarcado.

     É sabido que a disputa de território é um hábito próprio dos animais selvagens. Através de atitudes, em muitos casos não muito convencionais, eles marcam o espaço conquistado e não permitem que outro animal se aproxime ou tente tirar aquilo que julga ser seu por direito. Caso algum animal resolva invadir o espaço do outro já sabe que a briga será grande e o resultado imprevisível. Até aí na demais, não é? Afinal, e isso também é do conhecimento de todos, sobreviver na selva nunca foi algo muito fácil.
    Mas aqui na nossa selva (alguns dizem que é de pedra)  onde sobreviver não é menos difícil, nós os seres humanos costumamos ter nossas formas, algumas bastante sutís, outras nem tanto, de demarcação de espaço. Seja na política, no trabalho, na religião, na marginalidade (essa então nem se fala, é selva em estado bruto), na vida social ou onde quer que você chegue os lugares sempre estão tomados. Através de uma espécie de acordo de cavalheiros (acordo de damas, no caso das mulheres) os espaços são divididos e não queira adentrá-los sem ser convidado ou mesmo pagar o pedágio exigido que a coisa fica feia. Você terá que, no mínimo, enfrentar a ira dos donos do pedaço:
- Esse lugar é meu, ninguém tasca. Cheguei primeiro. - gritará o "assaltado".
Você pode usar o argumento que quiser. Não tem jeito. As portas estão fechadas e a saída é se conformar. Na pior das hipóteses você pode comprar uma briga daquelas e, não se esqueça, correr o risco de sair contundindo e sem nada conseguir. O paredão que se cria em torno da coisa conquistada é intransponível para amadores e marinheiros de primeira viagem. Coisa de profissional bem qualificado, entende?
    Sabe aquela coisa?: "aqui só se entra com convite ou por indicação." Esta é a lei da "selva". São esses os territórios demarcados pelos "animais" e onde eles se sentem protegidos, certos de que são o máximo e que pairam acima de todos aqueles que não têm o privilégio de desfrutar de sua "amizade" e "inestimável companhia'.
   Todos exibem suas conquistas, seus troféus conseguidos em batalhas onde a principal arma usada foi a deslealdade. Mas isso não importa, não é? O que vale é chegar no topo da montanha e fincar a sua bandeira e na falta de uma bandeira vale qualquer pedaço de pano velho. O que não se pode é perder a chance de mostrar para todos que se está no topo, que chegou primeiro e depois... Bem, depois fica todo mundo com aquela cara de paisagem (isso para não dizer outra coisa), sem saber direito onde está e qual o papel que  representa nessa ópera bufa.