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outubro 15, 2011

Falando francamente...

     Normalmente quando queremos dizer alguma coisa que sabemos que vai provocar uma reação inesperada procuramos começar a conversa dando uma espécie de pista de que o que diremos a seguir pode não ser exatamente o que a pessoa gostaria de ouvir. Alguns exemplos são: "falando francamente..." ou " quer mesmo que eu seja franco?" Não raro, a pessoa responde que sim, ela aceita a nossa franqueza e isso nos leva a dizer tudo aquilo que pensamos daquele assunto e mesmo dela própria.
     Posso até estar enganado, mas no geral acontece o seguinte: você diz tudo o que pensa e aquela pessoa que antes tinha dito que estava preparada para ouvir tudo o que você tinha para dizer se releva chocada com sua opinião e termina por ficar chateada e aborrecida. Pode nascer daí um estremecimento forte ou uma inimizade. Tudo porque apenas você queria alertá-la de um erro ou engano. Nada mais nada menos por gostar daquela pessoa.
    Acho que todo mundo entendeu do que eu estou falando e até já deve ter estado nesse tipo de situação alguma ou muitas vezes. Por isso, penso que você já deve ter entendido que esse " falando francamente " nem sempre acaba dando bom resultado. E tudo acaba ficando apenas na "boa intenção". A pessoa não entende e a confusão está criada.
     Por isso, cheguei a conclusão que o ideal é mesmo deixarmos de lado tanta franqueza. Assim evitamos os maus entendidos e deixamos de dar aquelas opiniões que, muitas vezes, se revelam equivocadas e fora de hora. Trocando em miúdos, e mesmo para ser franco (olha ela aí), a verdade é que ninguém suporta tanta franqueza. Somos seres melindrosos, nos chateamos fácil. Para evitar esse tipo de situação devemos mesmo é nos eximir de sair por aí como arautos da verdade.
    Aí você começa a se perguntar: "será que não vale a pena ser franco e honesto?" Sim, é claro que vale. Só que até para isso é preciso um pouco de precaução, cuidado para não causar muito estrago. Já que ele (o estrago) é, sem dúvida, inevitável. Antes de qualquer coisa devemos sondar se aquela pessoa quer mesmo a nossa sinceridade, se aquela pessoa suporta a nossa sinceridade e se a nossa sinceridade é bem-vinda naquele momento. Caso a resposta seja negativa, o bom mesmo é usar de tato e uma certa perspicácia. Além do mais, nem tudo é o que parece ser. Ás vezes, nós é que estamos vendo coisas aonde elas não existem.

outubro 12, 2011

Tio, me dá uma moeda.


   Marco andava distraidamente pela rua quando ouviu aquele chamado: 
- Tio...
Instintivamente parou e olhou. Na sua frente estava um garoto todo maltrapilho que, um tanto surpreendido por aquela atenção, completou a frase:
- ... me dá uma moeda.
     Não era a primeira vez que Marco recebia aquele tipo de abordagem. Na verdade, no trajeto de sua casa para o trabalho, aquilo era até muito comum. Muito mais comum até do que ele desejava. Embora, como todos os outros dias, ele estivesse com pressa, sentiu uma estranha vontade de estabelecer um contato mais estreito com aquela figura que o tomava por seu tio. E foi logo encarando o garoto:
- Que história de tio é essa? Por acaso sou irmão do seu pai ou da sua mãe? E fique sabendo de uma coisa: eu sou filho único. Portanto, jamais terei um sobrinho. E se você fosse meu sobrinho, não estaria pedindo dinheiro no meio da rua, entendeu?
     O garoto não deu muita atenção ao que ele falou e repetiu o pedido. Isso acabou por irritá-lo ainda mais. Teve vontade de passar uma descompostura naquele moleque para ensiná-lo a ter mais educação com os mais velhos. Afinal, ele o estava chamando de tio e, querendo ou não, aquele parentesco era sinônimo de que ele lhe devia um certo respeito. Foi com esse pensamento que ele partiu para cima dele:
- Volta para casa, agora.
- O que é isso, tio? - perguntou ele, assustado.
- Estou mandando você voltar para casa. - confirmou.
- Ih, qual é? - perguntou o garoto achando aquilo estranho e fora de propósito. Afinal, ele estava apenas pedindo dinheiro. Mas Marco parecia estar com vontade de levar aquilo adiante:
- Como: "ih, qual é?" Você me para no meio da rua, me chama de tio, me pede dinheiro e acha estranho que eu o mande de volta para casa?
- É claro. Você não é nada meu. Sai fora.
- Quer dizer que eu sou seu tio para lhe dar dinheiro, mas para mandá-lo de volta para casa, não?
- Isso mesmo.
- Olha aqui, seu moleque. Você acha que eu iria encontrar um sobrinho maltrapilho e descalço no meio da rua, lhe daria dinheiro e seguiria meu caminho como se nada tivesse acontecido? Você é louco?
- Ih, louco é você. Tô fora.
     O garoto sumiu na multidão julgando ter encontrado um maluco em seu caminho. Porém, Marco estava levando aquela conversa a sério. No fundo, apesar de ser dado a certos destemperos, ele sempre se sentiu incomodado com aquela situação. Nunca entendeu direito como podia aquelas crianças viverem pelas ruas roubando, cometendo delitos e chamando todo mundo de tio sem que ninguém fizesse nada. Será que ninguém mais via aquelas crianças? Só ele?
     Na nossa sociedade aprendemos a não nos meter naquilo que não nos diz respeito. Aprendemos que muitas coisas são problemas do governo.  Esse é o nome que se dá a essa figura sem rosto e sem sentimentos que deveria cuidar para que as coisas andassem nos eixos, mas que parece ser também surda  e cega, pois nada sabe, nada vê. Assim, basta sair às ruas para nos depararmos com um monte de situações sem solução. A das crianças nas ruas é, sem sombra de dúvidas, uma das piores. Junto dela temos os moradores de rua, a velhice desassistida, a falta de saneamento básico e tantas outras.
     Marco continuou sua caminhada para o trabalho. Mas aquele encontro mexeu com ele. Poderia parecer loucura, mas ele viajou naquele "tio, me dá uma moeda". E se aquele garoto fosse seu sobrinho? Talvez o seu destino fosse diferente, talvez não. O que ele poderia fazer para que não houvessem mais garotos vivendo nas ruas, nos sinais, drogando-se, sendo usados, abusados? Provavelmente nada. Mais uma vez, mergulhou a cara no trabalho e deixou que a vida seguisse o seu curso.

outubro 11, 2011

Os bons sentimentos.



  É comum, com o passar dos anos, as coisas sofrerem algumas mudanças. Sendo assim, algumas perdem a sua importância e outras, por sua vez, ganham mais destaque ou passam a ser vistas de maneira diferente. Nada mais natural, não é mesmo? Afinal, alguma mudança é sempre bem-vinda, pois nos livra de vivermos presos àquilo que não serve mais para nada ou que nos impede de olhar para frente.
   Porém, no que diz respeito às relações humanas, mais precisamente aos conceitos e práticas de bondade, parece que a coisa está tomando uma direção um tanto preocupante: o que antes era visto como respeito, educação, civilidade, gentileza hoje parece estar mudando de aspecto. Não parecemos mais ver uma pessoa, digamos, boa como alguém cujos atos possam ser, além de vistos com bons olhos, serem também passíveis de serem imitados. 
   Pelo contrário, quem procura agir assim é visto como bobo, antiquado e fora do tempo. E isso vale para qualquer atitude mais "civilizada" como: não jogar lixo nas ruas não poluir a natureza, respeitar os pedestres, ajudar alguém com necessidades especiais, dar sua vez a outro, sorrir, falar com educação mesmo quando o interlocutor esteja um tanto alterado, desejar o bem, não rir da desgraça alheia e vai por aí. 
  Lamentavelmente, a moda é levar vantagem. Acostumamos a acreditar que somente os políticos e empresários gostam de levar vantagem, mas parece que a sociedade está toda contaminada por esse tipo de visão. A maioria quer ser esperta e isso é sinônimo de passar por cima das regras mais elementares da boa convivência e do respeito ao semelhante tanto nas situações em que é comum haver (e até é necessário que haja mesmo) disputa, como naquelas em que nada está em jogo que não seja a vontade de levar vantagem, passar na frente dos outros, furar fila, "passar a perna nos outros", como se diz popularmente.
   Onde está a gentileza, a educação, a solidariedade? Tenho a impressão de que essas coisas estão cada vez mais escassas.  Estamos caminhando para um tempo em que as pessoas terão vergonha de ter e demonstrar bons sentimentos. Apesar de toda a polêmica em torno da atitude do senhor Rafinha Bastos, não podemos esquecer que este modelo agressivo e gratuito é a tônica, não só do programa CQC, mas da nossa sociedade em geral.
     Creio que precisamos, urgentemente, resgatar o respeito, a solidariedade e, mais que tudo, a compaixão pelos nossos iguais.